II. 1. É a esta constelação filosófica que Bartleby, o escrivão, pertence. Como escriba que cessou de escrever, ele é a figura extrema do nada de onde procede toda a criação e, ao mesmo tempo, a mais implacável reivindicação deste nada como pura, absoluta potência. O escrivão tornou-se a tabuinha de escrever, nada mais é agora que a sua folha branca. Não surpreende, portanto, que ele se demore assim obstinadamente no abismo da possibilidade e não pareça ter a mínima intenção de dele sair. A nossa tradição ética procurou várias vezes dar a volta ao problema da potência reduzindo-o aos termos da vontade e da necessidade: não aquilo que podes, mas aquilo que queres ou deves é o seu tema dominante. É tudo o que o homem de leis não deixa de recordar a Bartleby. Quando, ao seu pedido para se dirigir aos correios («importa-se de ir ao Correio, não quer (won’t you)?»), Bartleby opõe o habitual preferiría de não, o homem de leis apressa-se a reforçar «Não quer? (You will not?)»; mas Bartleby precisa, com a sua voz «suave e firme»: prefiro não (I prefer not é a única variante, que aparece três vezes, da fórmula habitual: I would prefer not to. Se Bartleby renuncia ao condicional, é só porque lhe interessa eliminar todo o vestígio do verbo querer, mesmo até no seu uso modal). E quando o homem de leis procura honestamente, a seu modo, compreender o escrivão, as leituras a que se dedica não deixam dúvidas quanto às categorias de que pretende servir-se: «Edwards on the Will» e «Priestly on Necessity». Mas a potência não é a vontade e a impotência não é a necessidade: apesar da «sensação salutar» que aquelas leituras lhe induzem, as suas categorias permanecem sem efeito sobre Bartleby. Crer que a vontade tenha poder sobre a potência, que a passagem ao acto seja o resultado de uma decisão que põe fim à ambiguidade da potência (que é sempre potência de fazer e de não fazer) — esta é precisamente a perpétua ilusão da moral.
(GABartleby)