Hernández (HPMI) – o sublime intermediário

Excertos do Capítulo 39 — O Neoplatonismo místico de Ibn Arabi de Múrcia (1165-1240)

Embora comece com o ser possível, o objeto total da metafísica é constituído por esses três elementos, já que “três e somente três são os objetos da ciência. Primeiro: o Ser Absoluto, que não pode ser concretizado e que é o próprio Ser de Deus, o Ser Necessário per se. Segundo: o não-ser absoluto, que, de acordo com sua essência, não é nada e também não pode ser concretizado de forma alguma, e que é o ser impossível, que se opõe ao Ser Absoluto, de tal forma que, se ambos fossem definidos com toda a precisão, seriam o mesmo. Ora, não pode haver dois opostos contraditórios sem que haja uma diferença entre eles que os distinga um do outro…. Essa diferença entre o Ser Absoluto e o nada é o Sublime intermediário, um aspecto do qual olha para o ser e o outro para o nada…. Esse, portanto, é o terceiro objeto, no qual a totalidade dos (seres) possíveis está contida”. Esses seres possíveis são numericamente infinitos, não possuindo o ser em si mesmos e, portanto, não exigem per se uma essência real existente em ato, mas, ao contrário, considerados em si mesmos, olham para o nada. Enquanto existem no Sublime intermediário, são simples e indefinidos e, para alcançar a existência individual em ato, precisam receber o ser do Ser necessário per se ou do Ser Absoluto, o que este último faz por meio do mandato existencial. É então que ele apresenta uma entidade individual e concreta, com seus modos de ser, suas substâncias peculiares e seus próprios acidentes específicos.

A relativa novidade de Ibn Arabi, em relação ao pensamento neoplatônico como um todo, é representada, nesse caso, pelo Intermediário (barzaj), cujo conceito é muito delicado. Sem dúvida, ele não é uma entidade concreta e parece que Ibn Arabi o considera como uma “mera possibilidade de ser”, na medida em que afirma que ele não é nem existente nem inexistente e que seu modo de ser é uma função da perspectiva a partir da qual o consideramos. Se olharmos para ele a partir do ser, parecerá existente; se olharmos para ele a partir do nada, parecerá inexistente. “A causa do intermediário”, escreve Ibn Arabi, “isto é, o possível entre o ser e o nada, sendo suscetível dessa dupla relação positiva e negativa, não é outra coisa senão o fato de se opor, por sua própria essência, a essas duas realidades”. Mais claramente — diz Ibn Arabi com um exemplo que, no entanto, não é muito claro — o nada absoluto se apresenta como se fosse um espelho diante do Ser Absoluto. Este último vê sua própria forma no primeiro, e essa forma é a essência do possível; é por isso que o possível tem uma essência e uma realidade positivas em seu próprio estado de não-ser; é também por isso que o possível aparece na mesma forma que o Ser Absoluto; é por isso, finalmente, que o possível é definido pela ausência de limites e pode ser considerado infinito. Por sua vez, o Ser Absoluto é como um espelho para o nada absoluto. Ele se contempla nesse espelho da Verdade, e a forma vista nele é a própria essência do nada. Portanto, a entidade do possível é comparada por Ibn Arabi à da imagem refletida no espelho, que não é nem o nada que é o espelho sem ele (não-ser) nem a realidade autêntica da coisa refletida (ser). A entidade do meramente possível é apenas relativa e não inerente à essência da coisa possível, mas procede do ato existencial exclusivo do Ser Absoluto.

E, embora essa concepção não seja muito clara, ela não nos permite afirmar sem mais delongas que Ibn Arabi é um panteísta; a mera afirmação de que o mundo procede do centro e retorna a ele não precisa necessariamente ser interpretada em um sentido panteísta, ainda mais quando Ibn Arabi frequentemente se refere à criação corânica ex nihilo; e, apesar das diferenças de terminologia e estilo, Ibn Arabi se move dentro das suposições da metafísica de Avicena. [MCIHPMI]

 

Miguel Cruz Hernández