Hesse: Siddhartha

A aventura de Siddhartha não é a de um ocidental que se embrenha numa doutrina do passado, para por meio dela chegar à criação e à vivência de um arquétipo próprio, que lhe decifra o enigma da vida, do mundo e de si mesmo, mas é a de um hindu que na doutrina do Buda vê abrir-se uma porta e que por fim em nenhuma doutrina, mas na pura e simples aceitação da vida tal e qual ela é, feita de imperfeição e perfeição, consegue realizar-se. Realização que Hesse exprime mais uma vez por meio de um símbolo de totalidade, o rio, que adiante analisaremos. Siddhartha é filho de um Brahmane. Recebe uma educação esmerada, da qual faz parte a meditação dos grandes textos sagrados. E nos Upanishad encontra a afirmação daquilo que mais deseja conhecer: o mundo dentro de si, a divindade dentro de si, pois tudo é uno, e a «alma do homem é o universo inteiro» (G. W., vol. 5, pág. 358). Tal como em Demian, será preciso quebrar com o mundo ordenado da família, e descobrir novos caminhos. E Siddhartha sai de casa do pai. Abandona um mundo feito para erguer com a sua própria experiência um mundo novo, um mundo por fazer. Há um amigo que o segue, Govinda. E ambos se integrarão numa comunidade ascética, de Samanas, onde pelo martírio do corpo, e por meio de técnicas de respiração e de meditação adequadas esperam, aniquilando o ego, chegar ao Eu supremo, ao Uno misterioso, ao Absoluto. Mas nada lhes proporciona uma libertação definitiva (pág. 365). O regresso ao ego, ao seu individual, era sempre inevitável, e Siddhartha sentia esse regresso como uma queda no mundo, como um peso que o impedia de se erguer à sapiência, à salvação da eterna roda da vida. Conclui, como explica ao seu amigo Govinda, que aquele não era o caminho, aquela não era a via, e que estavam apenas a perder tempo, a enganar-se a si próprios. Dá-se então o seu encontro com o Buda, e é deslumbrado que o ouve falar. A sua voz, como a sua aparência, é a de um homem que atingiu a plenitude (pág. 376). Govinda torna-se discípulo de Gautama, mas ele não, prefere não seguir uma doutrina — embora ela prometa a libertação do sofrimento e da morte — prefere continuar com a sua busca sozinho. Como aliás fez o Buda. [YCHesse]

Hermann Hesse