Tr. Antonio Carneiro
Para que se tenha atividade de pensamento — e não simples aparência de uma tal atividade — a primeira condição a preencher é a presença de um sujeito pensante, testemunho fixo das múltiplas ideações. O Trika parece assim de início a concordar com o Advaita na sua crítica da teoria budista do conhecimento (aqui do Vijnānavāda): “Afirma-se que os objetos devem residir na consciência pura para poder se distinguir (uns dos outros). Mas isso não é possível se repousam sobre uma consciência pura constituída por atos de conhecimento distintos. Mas se os objetos, azul, prazer, etc., são conduzidos no Eu, o grande oceano da consciência que tem forma de sujeito conhecedor, por meio de atos de consciência distintos, de conhecimentos determinados atuando no papel de riachos e de rios, e aí repousam face à face, então (somente) dão lugar à um conhecimento”1. Na realidade, [287] o que é buscado aqui, é menos a unidade de um suporte permanente dos vividos (como nas epistemologias bramânicas) do que aquela de uma atividade de pôr em relacção. É próprio do Trika, com efeito, de sublinhar esta propriedade que tem a consciência de conferir a unidade ao diverso que nela vem se refletir. “Os próprios animais — destaca Abhinavagupta — sabem todos, por suas experiências pessoais, que a água e o fogo, quando acedem à unidade vindo repousar na consciência pura, não são mais coisas opostas”. É verdade que não importa qual Advaitin poderia retomar esse julgamento por sua conta, à condição de o interpretar no sentido de uma redução do diverso heterogêneo à essência única da consciência, redução comparável àquela sofrida por combustíveis de origem diversa que vêm à ser consumidos em um fogo único. No Advaita, com efeito, como também no Sāmkhya, é a causa material (o upādāna) que prevalece: os objetos sensíveis particulares não são nada mais que a matéria do qual são feitos. Do ponto de vista do Advaita, eles são feitos de consciência e sua forma individual é irreal, pura construção imaginária. Assim que a consciência os “pensa”, eles logo se dissolvem nela, como as famosas bonecas de sal mergulhadas no mar. A consciência pura não tem necessidade deles e fica como indiferente à sua estrutura particular. Ela não funciona senão como seu substrato comum e permanente. No Trika, ao contrário, a consciência pura suporta o diverso enquanto tal; melhor, ela tem necessidade de parecer se negar e se dispersar nele para existir como consciência.
IPV, 17 2, vol. I, p. 281 sq. Foi omitido aqui alguns dos sinônimos que se serve Abhinavagupta para glosar os termos da kārikā de Utpaladeva. ↩