Ibn Arabi (Futuhat) – Da Morte à Ressurreição (Gloton)

Para entender a posição de Ibn Arabi sobre o tema da morte e da ressurreição, precisamos buscar no Alcorão os fundamentos nos quais ele se baseia constantemente em todas as suas obras e, em particular, em sua imensa soma metafísica intitulada Al-Futuhat al-Makkiyya, Les Ouvertures ou Conquêtes Spirituelles Mekkoises. Nessa obra, que geralmente compreende quatro volumes de grande formato, totalizando mais de três mil páginas, cinco capítulos são reservados para o tema que nos interessa aqui:

1 – Capítulo 61: Sobre o conhecimento da Geena;

2 – Capítulo 62: Graus reservados para as hostes do Fogo;

3 – Capítulo 63: Sobre a permanência dos seres humanos no Submundo;

4 – Capítulo 64: Conhecimento da Ressurreição, suas moradas e seus significados;

5 – Capítulo 65: Sobre o Jardim, suas moradas e assuntos relacionados.

Os capítulos que acabamos de enumerar podem ser melhor compreendidos se nos referirmos a outro capítulo importante dessa mesma obra, o 198º, intitulado: Sobre o Conhecimento de Nafas ar-Rahmân, que podemos traduzir de diferentes maneiras, de acordo com os significados etimológicos implícitos nos dois termos que compõem essa expressão profética: Do Conhecimento do Sopro ou Sopro do Amor Onirradiante ou do Todo-Misericordioso, capítulo em que o Mestre situa diferentes “graus” presentes em Deus e na Existência universal sob aspectos metacósmicos e cósmicos, portanto, desde a Essência de Deus até o grau mais manifesto e perfeito de Sua Obra criadora: o Humano universal ou perfeito (al-insan al-kamil). Voltaremos a esse assunto mais tarde, mas já podemos ver que Ibn Arabi situa os Jardins e os Fogos entre a Esfera do Zodíaco ou a Esfera sem Estrelas (falak al-atlas) e a Esfera das Estrelas Fixas (falak al-kawâkib aththâbita)1. Ele tira conclusões importantes disso, particularmente com relação ao número três na economia das duas moradas da vida suprema, ou seja, os Jardins paradisíacos (jannât) e os Fogos Infernais (nîyâr, plural de nâr).

Outro capítulo dessa obra, o 371º, é reservado para a descrição dos diferentes planos da Existência Universal e, portanto, também para as moradas paradisíacas e infernais, um capítulo que, de acordo com o próprio autor, acrescentará alguns detalhes relativos a essas duas moradas.

O capítulo 371 contém nove diagramas que simbolizam os graus ontológicos e cósmicos da Obra de Deus na Existência Universal, que Ibn Arabi comenta em nove seções. Nesse capítulo, encontramos os principais graus existenciais, comentados de uma maneira diferente, que o Mestre apresenta no capítulo 198. No final de nossa introdução, apresentamos nove diagramas correspondentes a essas nove seções, comentando-as brevemente para mostrar, de forma mais concreta, como elas se relacionam com os estágios escatológicos descritos com mais detalhes nos cinco capítulos dedicados a elas.

À medida que avança, e para basear sua apresentação na autoridade dupla do Livro revelado e da Sunnah autêntica, Ibn Arabi cita apenas os versículos mais representativos que selecionou para estruturar as diferentes partes de seu discurso. Deve-se ressaltar que o texto do Alcorão oferece um panorama amplo e, ao mesmo tempo, muito detalhado da vida após a morte até a ressurreição. Nos cinco capítulos mencionados, Ibn Arabi não faz a exegese de todas as passagens do Alcorão que tratam desses temas, mas comenta algumas que lhe parecem mais essenciais ou mais representativas, e não o faz em relação a outras. Também é importante ressaltar que, no Alcorão, as descrições de Deus sobre a escatologia não são apresentadas de forma organizada, e a ordem em que são apresentadas não é a de uma exposição racional de acordo com a lógica humana. Como resultado, a composição do texto corânico muitas vezes confunde a mente, especialmente a de um ocidental acostumado a classificar temas em categorias bem definidas. Além disso, muitas das sequências do Livro revelado que têm a ver com a escatologia frequentemente tocam em vários aspectos ou fases de interesse para o nosso assunto. Portanto, é difícil, se não impossível, classificá-las em uma ordem lógica. Além disso, nesses cinco capítulos, Ibn Arabi desenvolve um processo “ascendente” de pós-morte, começando pela condição mais inferior, a Geena ou “o Infernal”, de acordo com o significado etimológico da raiz desse termo, e culminando no Dia da Grande Ressurreição, após o qual os seres humanos assumirão uma condição infernal ou paradisíaca. (IAMorteMG)


  1. Não estamos falando aqui das constelações ao redor do Zodíaco, mas das doze determinações espaciais (maqâdir) que dividem essa área do céu em partes iguais.