- Diferenças de temperamento e de gosto entre os mundos tradicionais
- Da hipérbole simbolista
As diferenças entre mundos tradicionais não se limitam às diferenças de perspectiva e dogma, há também diferenças de gosto e temperamento: assim, o temperamento europeu não aceita facilmente o exagero como forma de expressão, enquanto para o oriental a hipérbole é uma forma de ressaltar uma ideia ou intenção, de assinalar o sublime ou de expressar o que não pode ser descrito, como o aparecimento de um anjo ou o esplendor de um santo. Um ocidental dá importância à exatidão factual, mas sua falta de intuição em relação às “essências imutáveis” (a’yan ath-thabitah) compensa isso, diminuindo bastante o alcance de seu espírito de observação. Um oriental, ao contrário, tem o senso da transparência metafísica das coisas, mas pode negligenciar o aspecto literal dos fatos mundanos; para ele o símbolo é mais importante do que a experiência.
Essa hipérbole simbólica é em parte explicada pelo seguinte princípio: entre uma forma e seu conteúdo não há só analogia, mas também oposição. Se a forma, ou expressão, precisa normalmente ser semelhante ao que transmite, pode também achar-se “negligenciada” em favor do conteúdo puro, em razão da distância que separa o “externo” do “interno”, ou pode ser que seja como que “rompida” pela superabundância do conteúdo. O homem que esteja dedicado somente ao “interior”, pode não se aperceber das formas externas, assim como o recíproco pode ser verdadeiro. Um homem parecerá sublime por ser um santo, enquanto outro parecerá lastimável pela mesma razão; e o que é verdadeiro para o homem também o é para aquilo que diz ou escreve. Às vezes o preço da profundidade ou sublimidade é a falta de senso crítico em relação às aparências; isso certamente não quer dizer que deva ser assim necessariamente, porque essa é somente uma possibilidade paradoxal. Em outras palavras, quando um exagero devoto surge de um transbordamento de percepção e sinceridade, tem o “direito” de não perceber que tem pouco talento, e seria ingratidão e fora de propósito censurá-lo por isso. Tanto a piedade como a sinceridade exigem que vejamos a excelência da intenção e não a fraqueza da expressão, quando uma tal alternativa se apresenta.