Schuon (FSCI) – Islã – Turbante e Véu

  • Da relação entre o turbante e o Islã
  • Algumas palavras sobre o véu da mulher

Fez-se referência ao turbante ao se falar na lentidão dos ritmos tradicionais1 , e nesse ponto é preciso parar para refletir. A associação de ideias entre Islã e o turbante está longe de ser fortuita: “O turbante é uma fronteira entre a e a descrença”, disse o Profeta, que declarou também: “Minha comunidade não apostará enquanto usar turbante”. Os seguintes ahadith também são citados nesse contexto: “No Dia do Julgamento cada homem receberá uma luz por cada volta de seu turbante (kawrah) em torno de sua cabeça”; “Usem turbante, com isso ganharão em generosidade”. A observação que desejamos fazer é que o turbante é considerado capaz de dar ao crente uma espécie de gravidade, consagração e humildade majestosa2 , de pô-lo à parte das criaturas caóticas e dissipadas — os dallun, os “extraviados”, da Fatihah — fixando-o num eixo divino — as-sirat al-mustaqim; o “caminho reto” da mesma prece — destinando-o portanto à contemplação. Em resumo: o turbante é como um contrapeso a tudo que é profano e vazio. Como é a cabeça, o cérebro, que é para nós o plano de nossa escolha entre verdadeiro e falso, durável e efêmero, real e ilusório, grave e fútil, é a cabeça que deve também portar o sinal dessa escolha; o símbolo material é considerado capaz de reforçar a consciência espiritual e isto é de mais a mais verdadeiro de toda cobertura religiosa da cabeça, ou mesmo de qualquer veste litúrgica ou meramente tradicional. O turbante, por assim dizer, envolve o pensamento do homem, sempre tão propenso à dissipação, ao esquecimento, à infidelidade; relembra o sagrado encarceramento de sua natureza passional, propensa a fugir de Deus3 . É função da Lei Corânica restabelecer o equilíbrio primordial que estava perdido; por isso, o hadith: “Usem turbantes e diferenciem-se assim das pessoas carentes de equilíbrio que vieram antes de vocês”.

O ódio ao turbante, como o ódio ao romântico ou ao pitoresco ou ao que pertence ao folclore, se explica pelo fato de os mundos “românticos” serem precisamente aqueles em que Deus ainda é verossímil. Quando as pessoas querem se livrar do Céu, é lógico começar por criar uma atmosfera em que as coisas espirituais pareçam fora do lugar; a fim de serem capazes de declarar com sucesso que Deus é irreal, têm que construir uma falsa realidade em torno do homem, uma realidade inevitavelmente desumana porque só o desumano pode excluir Deus. Trata-se de uma falsificação da imaginação e, portanto, de sua destruição; a mentalidade moderna implica na maior falta de imaginação concebível.

Neste ponto é preciso dizer algo sobre o véu das mulheres muçulmanas. O Islã faz uma nítida separação entre o mundo masculino e o feminino, entre a comunidade como um todo e a família, que é seu núcleo, entre a rua e o lar assim como separa distintamente a sociedade do indivíduo ou o exoterismo do esoterismo. Considera que o lar, como a mulher, que o encarna, possuam um caráter inviolável e, portanto, sagrado. De certa forma, a mulher encarna o esoterismo, em razão de certos aspectos de sua natureza e função. A “verdade esotérica”, haqiqah, é “sentida” como uma realidade “feminina” e o mesmo é verdade para a barakah. Além disso, o véu e o isolamento da mulher estão ligados à fase cíclica final que vivemos — e apresentam certa analogia com a proibição do vinho e o velar dos mistérios.


NOTAS

1 Lentidão que não exclui a rapidez, quando a rapidez procede das propriedades naturais das coisas ou resulta naturalmente das circunstâncias, o que implica sua conformidade com os simbolismos e atitudes espirituais correspondentes. É da natureza do cavalo o poder de galopar; uma “fantasia” árabe é executada em grande velocidade; um golpe de espada deve ser rápido como o relâmpago, assim como as decisões em momentos de perigo. A ablução antes das preces deve ser feita rapidamente.
2 No Islã os anjos e todos os profetas são representados com turbantes, às vezes de cores diferentes, de acordo com seu simbolismo.
3 Ao criar o véu das Irmãs de Caridade, São Vicente de Paulo tinha a intenção de lhes dar um ar reminiscente do isolamento monástico.

Frithjof Schuon