No capítulo anterior, indiquei de forma preliminar a possibilidade de haver uma conexão muito forte entre a filosofia taoista e o xamanismo. Sugeri que o pensamento ou a visão de mundo de Lao-tzu e Chuang-tzu talvez possa ser melhor estudado tendo como pano de fundo a tradição milenar do espírito xamânico na China antiga. O presente capítulo será dedicado a uma discussão mais detalhada desse problema, ou seja, o pano de fundo xamânico da filosofia taoista, conforme representado pelo Tao Te Ching e Chuang-tzu.
De fato, ao longo da longa história do pensamento chinês, existe o que poderia ser chamado de “modo xamânico de pensar”. Observamos esse modo específico de pensar se manifestar de diversas formas e em vários níveis, de acordo com as circunstâncias particulares de tempo e lugar, às vezes em uma forma popular e fantástica, muitas vezes chegando ao limite da superstição e da obscenidade, e às vezes em uma forma intelectualmente refinada e logicamente elaborada. Observamos também que esse modo de pensar está em nítido contraste com o modo de pensar realista e racionalista representado pela austera visão de mundo ética de Confúcio e seus seguidores.
Resumidamente, considero a visão de mundo taoista de Lao-tzu e Chuang-tzu como uma elaboração filosófica ou o ponto culminante desse modo xamânico de pensar; em outras palavras, como uma forma particular de filosofia que surgiu da experiência existencial pessoal peculiar às pessoas dotadas da capacidade de experienciar as coisas em um plano suprassensível de consciência por meio de um encontro extático com o Absoluto e por meio das imagens arquetípicas que emergem dele.
Os filósofos taoístas que produziram obras como o Tao Te Ching e Chuang-tzu eram “xamãs”, por um lado, no que diz respeito à base experiencial de sua visão de mundo, mas, por outro lado, eram pensadores intelectuais que, não satisfeitos em permanecer no nível primitivo do xamanismo popular, exercitaram seu intelecto para elevar e elaborar sua visão original em um sistema de conceitos metafísicos destinados a explicar a própria estrutura do Ser.