Jullien (FJFI) – Hexagrama

Estrutura do Hexagrama

  1. Primeiro princípio orgânico: o hexagrama se desdobra de baixo para cima e se decifra portanto progressivamente a partir de sua base até seu topo.
    • As duas primeiras posições (wei), em baixo da figura, correspondem ao nível da “terra”, as duas posições seguintes (3 e 4) ao nível do “homem” e as duas superiores (5 e 6) ao nível do “céu”.
    • Através desta sucessão de estágios, o hexagrama reproduz as três instâncias do real — suas três “capacidades” ou suas três “extremidades” (o “homem” se situando como deve entre os dois outros), e cada um destes níveis se apresentando sob a dualidade de aspectos Yin-Yang, do ponto de vista das energias em obra:
      • “duro” e “maleável” do ponto de vista da materialidade das coisas
      • “humanidade” e “equidade” do ponto de vista da moralidade.
    • Ao mesmo tempo que responde a esta tripartição de papeis, o hexagrama se apresenta ele mesmo como uma dualidade:
      • As três posições de baixo compõem o trigrama inferior (“interior”: zhen) que serve de base para a figura e constitui seu “ser determinado”
      • As três posições do alto compondo o trigrama superior (“exterior”: hui), que adapta a figura à “evolução” e permite seu “funcionamento” (ti e yong).
    • Tal agrupamento por três das posições não concerne a princípio somente o alto e baixo da figura, pode estender-se também aos trigramas “nucleares” que a compõem e podem podem aí se ler em filigrana (traços 2,3,4; traços 3,4,5).
  2. O caráter plurívoco da estrutura do hexagrama, é indicado pelas possibilidade diversas indicadas, que se conjugam para erigi-lo em estrutura de geometria variável que permite apreender, sob uma multiplicidade de ângulos de visão e perspectivas, a natureza intrínseca do real, e ao mesmo tempo sua coerência unitária e sua constante renovação.
    • A superposição de grades de interpretação permite apreender a lógica das evoluções em curso, escapando assim de qualquer codificação unívoca e pré-concebida; só jogo resultante desta superposição de grades respeita o caráter improvisador da imanência.
  3. As posições que constituem o hexagrama reproduzem por outro lado a mesma relação equilibrada do par e do ímpar:
    • os lugares 1, 3 e 5 são ímpares, portanto yang
    • os lugares 2, 4 e 6 são pares, portanto yin
    • Na interpretação se examina a adequação de um traço pleno ou partido ocupando um destes lugares.
    • Embora determinados estes lugares são fatores de movimento, dado o princípio dinâmico e a estrutura funcional do hexagrama
    • As duas posições centrais do hexagrama constituem para WFZ, o pivô da figura: o terceiro lugar é aquele onde se produz o “avanço” enquanto o quarto lugar é aquele onde se produz o “recuo”.
    • A partir desta alternância que está de acordo com o grande ritmo das coisas, o segundo e o quinto lugares correspondem ao momento de equilíbrio da evolução (pois ocupam o centro dos dois trigramas do alto e de baixo, sendo sua posição frequentemente a mais favorável); ao mesmo que estes dois lugares estão subordinados entre eles, tendo o quinto lugar a posição “soberana” da figura.
    • Às duas pontas do hexagrama, primeiro e sexto lugares, estes encarnam os estados extremos do processo: o “crescimento” que inicia em baixo da figura e a “dissolução” que se opera em seu topo.
  4. O hexagrama consegue ser assim ao mesmo tempo estável e em evolução.
    • O hexagrama não possui posição central? Isto não pode levar à “dispersão”, de onde nasce a desordem?
    • O hexagrama possui dois centros, o seio dos trigramas (segundo e quinto lugares); ora, esta dualidade de centros não arrisca conduzir a uma “divergência” pondo em perigo sua unidade?
  5. O hexagrama não possui um centro devido a seu caráter de paridade (representado pelos dois trigramas)
    • Possui ao mesmo tempo dois centros devido a seu caráter de imparidade (representado por cada uma de suas metades composta de três posições).
      • Não há um centro próprio ao hexagrama, devido ao estado da unidade fundamental e indiferenciada das coisas (precedendo a atualização fenomenal): “não há nada que não seja centro”
      • Por outro lado, do momento que há a “cisão” diferenciadora, cada atualização particular segue sua lógica própria e “não se vê mais centro”.
    • WFZ denomina isto a “sutilidade de uma ausência de centro”: seja (em um estado original) “tudo é centro” e não se poderia instaurar um centro particular; seja (no estado posterior da evolução) “tudo é via”, não há um centro dado.
    • Quanto à coexistência dos dois centros fundada sobre a imparidade: enquanto um centro tenderia a imobilizar o processo, dois centros são suficientes para criar as condições de uma variação por alternância que ela só pode tornar possível a continuidade da mudança ou da transformação.
      • Só a coexistência de dois centros permite um verdadeiro equilíbrio.
      • A verdadeira centralidade consiste em evoluir de um centro a outro, indo em um sentido e outro, manifestando tal atitude e seu oposto, em função do que exige cada ocasião.
      • A capacidade de oscilar de um centro a outro permite abarcar todo o real, de um extremo a outro, de modo radical, explorando a fundo todas as possibilidades.
  6. O julgamento do hexagrama representa o “ser constitutivo” da figura e os diversos traços seu “funcionamento”.
    • É preciso remontar à totalidade do ser constitutivo da figura para saber de onde procede seu funcionamento.
    • É conveniente desdobrar seu funcionamento para conhecer a última modificação de seu ser constitutivo.
    • Traços e julgamentos se completam: o julgamento se referindo ao ser constitutivo da figura, dá o ponto de partida dos traços (revelando seu funcionamento) e os traços que se encadeiam no seio da figura nos indicam até onde vai finalmente tudo isto.
  7. Este princípio de homogeneidade da figura esclarece sua leitura e a ele se deve em particular que o último traço da figura se interpreta mais “facilmente” que o primeiro.
    • O primeiro traço na base da figura é como as raízes ocultas da árvore; o sexto traço é semelhante à ramagem que se abre.
    • No primeiro traço a tendência encarnada pela figura só encontra-se esboçada; no último traço se esclarece a partir do que precede.
    • O primeiro traço aponta para um estado inicial, ainda não afirmado, de uma evolução; e o último, traçando um balanço desta evolução, lhe designa sua realização, seu sucesso (no sentido do que sucede).
  8. As quatro posições intermediárias entre o primeiro e o último traço, a que servem?
    • Seu papel é de passagem, de conferir toda sua amplitude à “capacidade” encarnada pela figura ao mesmo tempo de operar as “diferenciações” necessárias.
  9. O “Grande comentário” recomenda ainda que estas posições medianas sejam avaliadas umas em relação às outras.
    • O segundo e o quarto lugares que são pares, logo yin, tem méritos opostos: ao quarto cabe a “apreensão” respeitosa que se retira de sua proximidade com o quinto lugar, imediatamente acima, que é a posição soberana; quanto ao segundo lugar, sua posição central no seio do trigrama inferior lhe confere um condição específica.
    • Quanto ao terceiro e ao quinto lugares, que são ímpares, logo yang, eles se opõem entre eles por seu maior ou menor “valor”, de onde decorre esta sutil diferença de caso: a terceira posição, ocupada por um traço yin é “perigosa”, mas ocupada por um traço yang, também pode ser “nefasta” (por excesso de “dureza”), porém neste caso melhor que no caso anterior; no caso do quinto lugar, mesmo se é um traço yin que o ocupa, pode ser “fasto”, e ainda mais se este traço for yang.

François Jullien, I Ching