atualidade

energeia, entelecheia para a primeira, ver ato; para a segunda, enteléquia (FEPeters)


Aristóteles introduziu na sua filosofia os termos “ato” ou “atualidade” e “potência”, como uma tentativa para explicar o movimento enquanto devir. O movimento como mudança numa realidade necessita de três condições que parecem ser ao mesmo tempo “princípio”: a matéria, a forma e a privação. Ora, a mudança seria ininteligível se não houvesse no objeto que vai mudar uma potência para mudar. A sua mudança é, em rigor, a passagem de um estado de potência ou potencialidade a um estado de ato ou atualidade. Esta mudança é levada a cabo por meio de uma causa eficiente que pode ser “externa” (na arte) ou “interna” (na própria natureza do objeto considerado). A mudança pode então definir-se assim: É o levar a cabo o que existe potencialmente (Física). Neste “levar a cabo”, o ser passa da potência de ser algo ao ato de o ser; a mudança é passagem da potência à atualidade. Não é fácil definir a noção aristotélica de “ato”. Pode dizer-se que o ato é a realidade do ser de tal modo que o ato é anterior à potência e que só pelo atual se pode entender o potencial. Pode dizer-se também que o ato determina o ser. Sendo deste modo ao mesmo tempo a sua realidade própria e o seu princípio. Pode destacar-se o aspecto formal ou o aspecto real do ato. Finalmente, pode dizer-se que o ato é “aquilo que faz ser aquilo que é”. Nenhuma das definições é suficiente. Aristóteles, que se apercebe desta dificuldade, apresenta com frequência a noção de ato e de potência por meio de exemplos, fiel à sua ideia de que “não há que tentar definir tudo, pois há que saber contentar-se com compreender a analogia”. Seja como for, como conceber o ser como ser que muda? Platão afirmou que a mudança de um ser é a sombra do ser. Os Megáricos afirmam que só pode entender-se aquilo que existe atualmente: um dado objeto, x, afirmavam eles, é ou p (isto é possui tal ou tal propriedade ou está em tal ou tal estado), ou então não p (isto é, não possui tal ou tal propriedade ou não está em tal ou tal estado). Aristóteles rejeitou a doutrina de Platão, porque este fazia da mudança uma espécie de ilusão ou aparência do ser que não muda, e a doutrina dos megáricos porque não explicavam a mudança. Se, pois, há mudança, deve haver algo que tem uma propriedade ou esteja num estado e pode possuir outra propriedade ou passar a outro estado. Quando isto acontece, a propriedade “posterior” ou o “último” estado constituem atos ou atualizações de uma potência prévia. Esta potência não é uma potência qualquer. Como diz Aristóteles (Física), o homem não é potencialmente uma vaca, mas uma criança é potencialmente um homem, pois de contrário continuaria a ser sempre uma criança. O homem é assim a atualidade da criança. a passagem daquilo que está em potência àquilo que é em ato requer certas condições: estar precisamente em potência de algo e não de outra coisa. Além da criança e do homem há “algo” que não é nem criança nem homem, mas que virá a ser homem. Se só se admitisse o ser atual, nada poderia converter-se em nada. Embora haja seres em potência e seres em ato, isso não significa que potência e ato sejam, eles mesmos, seres. Podemos defini-los como princípios dos seres, ou “princípios complementares” dos seres. Estes princípios não existem, contudo separadamente, mas estão incorporados nas realidades. Aristóteles apercebe-se de que a sua teoria do ato não pode limitar-se ao exposto e de que pode entender-se o ato de várias maneiras. Para já, destas duas: 1. O ato é “o movimento relativamente à potência”, 2. O ato é “a substância formal relativamente a alguma matéria”. No primeiro caso, a noção de ato tem sobretudo aplicação na física; no segundo, tem aplicação na metafísica. Como se a complicação fosse ainda pouca, a noção de ato não se aplica do mesmo modo a todos os “atos”. Em certos casos, não se pode enunciar, de um ser, a sua ação e o fato de a ter realizado — aprender e ter aprendido, curar e ter curado. Noutros casos, pode enunciar-se simultaneamente o movimento e o resultado — como quando se diz que se pode ver e ter visto, pensar e ter pensado. “Destes diferentes processos — diz Aristóteles — há que chamar a uns movimentos e a outros ato, pois todo o movimento é imperfeito, como o emagrecimento, o estudo, o andamento, a construção: são movimentos e movimentos imperfeitos. Com efeito, não se pode ao mesmo tempo andar e ter andado, acontecer e ter acontecido, receber o movimento e tê-lo recebido; também não é a mesma coisa mover e ter movido. Mas é a mesma coisa a que ao mesmo tempo vê e viu, pensa e pensou. A esse processo chamo-lhe ato, e ao outro, movimento” (Metafísica). Esta citação mostra que Aristóteles não se sente satisfeito com opor simplesmente o ato à potência e com examinar a noção de ato segundo o ponto de vista de uma explicação da mudança dentro dos limites de uma “ontologia física”. Parece que Aristóteles tem interesse em mostrar que há entes que estão constitutivamente mais “em ato” do que outros. Além disso, esses entes podem servir de modelos para tudo o que se diz que está em ato. Alguns autores neoplatônicos e cristãos inclinaram-se para uma ideia do ato como a perfeição dinâmica de uma realidade. Um dos exemplos desse estar em ato é a intimidade pessoal. Pode então conceber-se o ato como uma tensão pura, que não é movimento nem mudança porque constitui a fonte duradoira de todo o movimento e mudança. E se se alegar que isto não pode acontecer porque o sentido primário das descrições aristotélicas de “ato” e “atualidade” o excluem, pode responder-se com Plotino que deve distinguir-se o sentido de “ato” consoante se aplique ao sensível ou ao inteligível. No sensível, o ser em ato representa a união da forma e do ser em potência, de modo que aqui não pode haver nenhum equívoco: o ato é a forma. No inteligível, em contrapartida, a atualidade é própria de todos os seres, de modo que sendo o ser em ato o próprio ato, a forma não é um mero ato, mas, antes, está em ato. As noções de ato e atualidade foram elaboradas com grande pormenor pelos escolásticos, a partir, principalmente, dos conceitos aristotélicos, ampliados embora consideravelmente em três sentidos fundamentais. Primeiro, não confinando essas noções, como em Aristóteles, a processos naturais, mas usando-as para esclarecer o problema da natureza de Deus como Ato puro. Segundo, pela tentativa de precisar o seu significado até onde fosse possível. Terceiro, por estabelecer distinções entre várias espécies de atos. Cabe destacar que, para S. Tomás e para muitos escolásticos, é necessário estabelecer uma distinção entre os termos ato e potência. Ambos são relativos, pois o que se diz que está em ato o está relativamente à potência, e o que está em potência o está relativamente ao ato. Mas enquanto a potência se define pelo ato, este não pode definir.-se pela potência, uma vez que a potência adquire o ser por meio do ato. (DFW)