É belo, não o que amamos e porque o amamos, senão aquilo que por seu valor objetivo nos obriga a amá-lo.
A beleza, seja qual seja o uso que possa fazer dela o homem, pertence fundamentalmente a seu Criador, que por ela projeta na aparência algo de seu ser.
A percepção da beleza, que é uma adequação rigorosa e não uma ilusão subjetiva, implica essencialmente, por uma parte, uma satisfação da inteligência e por outra, um sentimento ao mesmo tempo de segurança, de infinidade e de amor. De segurança: porque a beleza é unitiva e exclui, com uma sorte de evidência musical, as fissuras da dúvida e da inquietude; de infinidade: porque a beleza, por sua própria musicalidade, faz com que se fundem os endurecimentos e os limites e libera, assim, à alma de suas estreitezas; de amor: porque a beleza chama ao amor, quer dizer, convida à união e por tanto à extinção unitiva.
A beleza, e o amor à beleza, dão à virtude, que também poderíamos chamar a bondade ou a piedade.
A função cósmica, e mais particularmente terrestre, da beleza é atualizar na criatura inteligente a lembrança das essências, e abrir assim a via até a noite luminosa da Essência una e infinita.
A beleza é um reflexo da beatitude divina; e como Deus é verdade, o reflexo de sua beatitude será esta mistura de felicidade e verdade que encontramos em toda beleza.
A beleza do sagrado é um símbolo ou uma antecipação, e as vezes um meio, do gozo que só Deus procura.
A beleza é uma mensagem que implica uma reciprocidade e um compromisso; implica uma reciprocidade entre Deus e o homem, e um compromisso por parte do homem com respeito a Deus.
E pela beleza, Deus nos dá uma mensagem de sua natureza; revela para nós um arquétipo e uma essência. A beleza é uma manifestação da Misericórdia, que pertence à Infinitude.
Este dom de Deus exige um dom de parte do homem: a revelação da Misericórdia exige por parte do homem um dom de si. A gratidão do homem é que, tendo percebido a Beleza divina, se dê a Deus em seu coração; dar-se a si mesmo a Deus é a resposta proporcionada à beleza terrestre, na que Deus, ao revelar a Misericórdia, se deu ao homem.
Para uns, só o esquecimento do belo – da “carne” segundo eles – nos aproxima de Deus, o que evidentemente é um ponto de vista válido, na prática pelo menos; segundo outros – e esta perspectiva é mais profunda – a beleza sensível também aproxima de Deus, na dupla condição de uma contemplatividade que apresente os arquétipos através das formas e de uma atividade espiritual interiorizante que elimina as formas com vistas à Essência.
A beleza auditiva é para a beleza visual o que a essência é para a forma. A música é beleza formal interiorizada, como a beleza formal é música exteriorizada.
Do mesmo modo, a beleza mental – a poesia – é para a beleza corporal atuada – a dança – o que a essência é para a forma. Isto quer dizer que há uma afinidade entre a beleza mental e a beleza auditiva – a poesia e a música -, por um lado, e entre a beleza corporal atuada e a beleza visual – a dança e a forma bela -, por outro.
O que aqui importa é a relação entre a forma e a essência, ou entre a manifestação e o arquétipo, ou entre o exterior e o interior. A beleza percebida no exterior deve converter-se, em nós, em música arquetípica e interiorizante. Amamos o que somos em nossa essência, e devemos ser – ou chegar a ser – o que amamos, e o que temos direito a amar pela natureza das coisas. Este é o sentido das belezas da criação divina e da arte sagrada.
O sentido da beleza atualizado pela percepção visual ou auditiva do belo, ou pela manifestação corporal, seja estática seja dinâmica, da beleza, equivale a uma “lembrança de Deus” se se encontra em equilíbrio com a “lembrança de Deus” propriamente dita, a qual, pelo contrário, exige a extinção do perceptível. À percepção sensível do belo deve responder, pois, a retirada até a fonte suprasensível da beleza; a percepção da teofania sensível exige a interiorização unitiva. (Schuon PP)