complementarismo

O ponto de vista do complementarismo corresponde de fato a uma realidade de certa ordem, a um certo nível, poderíamos dizer; é ainda menos exterior e superficial que o ponto de vista da oposição pura e simples, que no entanto também compreende uma parte da verdade, mas apenas quando se trata das aparências mais imediatas. Com a consideração do complementarismo, a oposição encontra-se já conciliada e resolvida, ao menos até um certo ponto, na medida em que seus dois termos equilibram-se de algum modo entre si. Entretanto, esse ponto de vista é também insuficiente, pois deixa apesar de tudo subsistir uma dualidade: dizer que existem no homem dois polos ou centros, entre os quais pode haver, conforme o caso, antagonismo ou harmonia, é verdadeiro quando se considera o homem num certo estado; trata-se porém de um estado que se poderia chamar de “descentrado” ou desunido” e que, enquanto tal, caracteriza exatamente apenas o homem decaído, separado portanto de seu centro original, como lembramos mais acima. É no momento da queda que Adão torna-se “conhecedor do bem e do mal” (Gênesis, 3, 22), isto é, começa a considerar todas as coisas sob o aspecto da dualidade. A natureza dual da “Árvore da Ciência” aparece-lhe quando se encontra fora do lugar da unidade original, à qual corresponde a “Árvore da Vida”.

Seja como for, o certo é que a dualidade existe no ser apenas do ponto de vista contingente e relativo. Se nos colocarmos sob um outro ponto de vista, mais profundo e essencial, ou se considerarmos o ser no estado que lhe corresponde, a unidade desse ser deve encontrar-se restabelecida (pode ser lembrado aqui o adágio escolástico: “esse et unum convertuntur”). Desse modo, a relação entre os dois elementos, que apareciam de início como opostos e depois como complementares, torna-se outra: é uma relação, não mais de correlação ou coordenação, mas de subordinação. Os dois termos dessa relação, de fato, não podem ser colocados num mesmo plano, como se houvesse entre eles uma espécie de equivalência; ao contrário, um deles depende do outro, por ter nele o seu princípio; e é esse o caso, respectivamente, do coração e do cérebro. (Guénon)