No que se refere à estrutura e aos ritmos do Universo, existe perfeita unidade e continuidade entre as diversas concepções fundamentais, desde os Chang até a revolução de 1911. A imagem tradicional do Universo é a imagem do Centro atravessado por um eixo vertical zênite-nadir, e enquadrado pelos quatro orientes. O Céu é redondo (tem a forma de um ovo) e a Terra é quadrada. O Céu cobre a Terra como uma esfera. Enquanto a Terra é representada como a estrutura quadrada de um carro, um pilar central sustenta o pálio, redondo como o Céu. A cada um dos cinco números cosmológicos — 4 orientes e 1 Centro — correspondem uma cor, um sabor, um som e um símbolo particulares. A China está situada no Centro do mundo, a Capital encontra-se no meio do Reino e o Palácio do rei no centro da Capital.
A representação da Capital e, em suma, de toda cidade como “Centro do Mundo” não difere, de forma alguma, das concepções tradicionais atestadas no antigo Oriente Próximo, na índia antiga, no Irã etc. Tal como nas outras civilizações urbanas, também na China as cidades se desenvolveram a partir de um centro cerimonial. Em outras palavras, a cidade era, por excelência, um “Centro do Mundo”, já que tornava possível a comunicação com o Céu e com as regiões subterrâneas. A Capital perfeita deveria situar-se no Centro do Universo, onde se ergue uma árvore maravilhosa denominada Madeira Ereta (Kien-mu); essa Árvore liga as regiões inferiores ao mais alto céu; “ao meio-dia, nada daquilo que, perto dela, se mantém perfeitamente ereto pode dar sombra”.
Segundo a tradição, toda Capital deve possuir um Ming t’ang, um palácio ritual que é, ao mesmo tempo, imago mundi e Calendário. O Ming t’ang é edificado sobre uma base em forma de quadrado (= a Terra) e é recoberto por um teto redondo de colmo (= o Céu). Durante o ano todo, o soberano circula sob esse teto; colocando-se no oriente exigido pelo calendário, inaugura sucessivamente as estações e os meses. As cores das suas vestes, as iguarias que come, os gestos que faz, acham-se em correspondência perfeita com os diferentes momentos do ciclo anual. Ao cabo do terceiro mês estival, instala-se o soberano no centro do Ming t’ang, como se fora o eixo do ano. Tal como os outros símbolos do “Centro do Mundo” (a Árvore, a Montanha sagrada, a torre de nove andares etc.), o soberano encarna de certo modo o axis mundi e efetua a ligação entre o Céu e a Terra. O simbolismo espaço-temporal dos “Centros do Mundo” acha-se amplamente difundido. É atestado em muitas culturas arcaicas, assim como em todas as civilizações urbanas. Devemos acrescentar que, como a Capital ou o Palácio real, as mais humildes habitações primitivas da China são dotadas do mesmo simbolismo cosmológico; constituem, efetivamente, uma imago mundi.
Como observamos há pouco (p. 28), os cinco números cosmológicos — i.e., os quatro horizontes e o Centro — constituem o modelo exemplar de uma classificação e, ao mesmo tempo, de uma homologação universal. Tudo o que existe pertence a uma classe ou a uma rubrica bem delimitada e, por conseguinte, comparte os atributos e virtudes próprios às realidades grupadas nessa classe. Temos pela frente uma elaboração audaciosa do sistema de correspondências entre macrocosmo e microcosmo, ou seja, da teoria geral das analogias que exerceu importante papel em todas as religiões tradicionais. A originalidade do pensamento chinês consiste em haver integrado esse esquema macrocosmo-microcosmo num sistema de classificação ainda mais vasto, o do ciclo de princípios antagônicos mas complementares, conhecido pelos nomes Yang e Yin. Os sistemas-paradigmas articulados com base em diferentes tipos de bipartição e polaridade, de dualidade e alternância, de díadas antitéticas e de coincidentia oppositorum, encontram-se em todas as partes do mundo e em todos os níveis de cultura. A importância do par de contrários Yin-Yang prende-se não apenas a ter servido de modelo de classificação universal, mas, além disso, a ter sido desenvolvido numa cosmologia que, de um lado, sistematizava e validava numerosas técnicas do corpo e disciplinas do espírito e, de outro lado, incitava a especulações filosóficas cada vez mais rigorosas e sistemáticas. (HCIR)