A criação simboliza o fim do caos, pelo advento, no universo, de uma certa forma, de uma ordem, de uma hierarquia. A ordem basta para caracterizar a invenção (Pascal).
A invenção é a percepção de uma ordem nova, de novas relações entre termos diferentes; a criação, a instalação dessa ordem por uma energia. Segundo as diversas cosmogonias, que não nos caberia resumir aqui, a obra do criador precede o caos ou lhe sucede. O caos não passa de uma primeira fase: uma massa elementar e indiferenciada que o espírito penetra, dando-lhe forma. A criação, no sentido estrito, dita “do nada” (a nihilo), é o ato que faz existir esse caos, pela evolução do qual começa o tempo. Mas o próprio ato criador é extratemporal. O ato de criação, no seu sentido lato, é a energia, que organiza os primeiros dados. Informes. A criação é o efeito dessa energia. Em certas cosmogonias, este mundo precede a criação, que só é concebida como um primeiro princípio de distinção ou como a energia que desperta as formas encerradas no magma original.
Na hieroglífica tradicional, atribuída aos egípcios, os principais aspectos da criação são representados por quatro desenhos geométricos: a espiral, que indica a energia cósmica insuflada pelo espírito criador; a espiral quadrada, que significa essa energia em ação no seio do universo; uma massa tão informe quanto possível, como uma vaga nuvem, imagem do caos primevo; o quadrado, que representa a terra e o mundo organizado, estabelecido sobre a base dos quatro pontos cardeais.
Depois do ato criador, duas forças são geralmente percebidas como distintas: uma, imanente na matéria, que é a própria matéria, participando da energia criadora e tendendo espontaneamente a formas sempre diferenciadas; a outra, transcendente, a energia criadora que continua sua obra e sustenta essa obra na existência — pois o mundo foi concebido como uma criação contínua.
Nenhum texto da mitologia celta evoca diretamente a criação do mundo. Mas trata, com frequência, de um personagem primordial, deus, ou herói, ou heroína, que desbrava os primeiros campos, que faz jorrar as águas de lagos e rios, e gera, ao mesmo tempo, numerosa descendência. A Irlanda sofreu, assim, cinco invasões míticas; de cada vez surgiram novos campos arroteados, novos lagos, novos rios, que receberam o nome do seu criador e aboliram o caos natural, tornando viável a implantação humana, a pecuária, a caça e, ulteriormente, a cultura. O simbolismo desse aspecto, tão parcial, da criação, combina-se com os da água e do campo. Pode-se relacionar também com as ideias principais da criação do mundo o tema da batalha de Mag Tured, entre os deuses, Thuata Dé Danann, representando a sociedade divina e humana, ordenada, hierarquizada, e os Fomóiré, que são uma Imagem do caos e do mundo interior ao Gênesis. (DS)