Heidegger

Sem dúvida, essas grandiosas criações metafísicas hindus não são comparáveis aos impulsos e anseios paradoxais que deram origem aos universos imaginativos do homem ocidental. Contudo, suas afinidades estruturais são, não obstante, evidentes e levantam novas e fascinantes questões a serem resolvidas por filósofos e psicólogos. Por outro lado, não podemos desprezar os esforços incessantes dos mais profundos e prolíficos pensadores ocidentais para recuperar o significado existencial da morte. Com efeito, embora desprovida de significações religiosas, em consequência da rápida secularização da sociedade atual, a morte tornou-se, desde Sein und Zeit, o verdadeiro centro da indagação filosófica. O sucesso excepcional – podia-se dizer que se tornou uma moda – das investigações de Heidegger, ilustram o anseio do homem moderno por uma compreensão existencial da morte.

Não faz sentido tentar resumir a contribuição decisiva de Heidegger para a investigação filosófica. É importante, contudo, salientar que, se ele descreve a existência humana como “ser para a morte” (Sein zum Tode) e considera a morte como “a potencialidade mais característica, exclusiva e última da Dasein”23 ele também afirma que “morte é o esconderijo para onde o Ser se retira como se fosse para as montanhas” (Gebirg).24 Ou, citando outra passagem, a morte, “como o santuário do Não-Ser, esconde em si a presença do Ser” (das Wesende des Seins).25

É quase impossível formular simples e claramente qualquer uma das conclusões fundamentais de Heidegger. Não obstante, parece que, para ele, é através da compreensão correta do fato da morte que o homem encontra o domínio sobre si mesmo e, consequentemente, encontra o sentido do Ser. Realmente, uma existência torna-se autêntica, isto é, integralmente humana, quando, aceitando a inevitabilidade da morte, o homem compreende a “liberdade para a morte” (Freiheit zum Tode). Contudo, uma vez que a morte “guarda em si a presença do Ser”, pode-se interpretar que de acordo com o pensamento heideggeriano o ato da morte em si é fator do encontro do homem com o Ser. Qualquer que seja a conclusão de um exegeta sobre tal interpretação, permanece sempre importante o fato de Heidegger haver provado de maneira admirável a coexistência da morte e da vida, do ser e do não-ser.

Qualquer historiador de religiões ficaria particularmente fascinado pela análise perspicaz que Heidegger desenvolve sobre a presença multiforme da morte no cerne ua vicia e da camuflagem inextrincável do ser no não-ser. É talvez privilégio e a mais elevada satisfação do historiador de religiões descobrir a continuidade do pensamento e da imaginação humanos, desde a pré-história até os nossos dias, a evolução desde o mito ingênuo e enigmático como aquele da Pedra e da Banana até o grandioso e não menos enigmático Sein und Zeit. (Eliade)