injustiça

Toda a injustiça que sofremos da parte dos homens é ao mesmo tempo uma prova que nos chega da parte de Deus.


Existe o desejo de não sofrer injustiças ou inclusive, de não ser prejudicado. Agora bem, uma das duas: ou bem as injustiças resultam de nossas faltas passadas, e então nossas provações esgotam esta massa causal; ou bem as injustiças resultam de nosso caráter, e então nossas provas o manifestam; em ambos os casos há que dar graças a Deus e invocá-lo com tanto mais fervor, sem preocupar-nos da palha mundana. Há que se dizer também que a graça da oração compensa infinitamente todas as dissonâncias que podemos sofrer e que, em comparação com esta graça, a desigualdade dos favores terrenos é um puro nada. Não esqueçamos nunca que uma graça infinita nos obriga a uma gratidão infinita, e que a primeira etapa da gratidão é o sentido das proporções.


O homem tem direito a não aceitar uma injustiça, importante ou menor, de parte dos homens, mas não tem direito a não aceitá-la como uma provação de parte de Deus. Tem direito – pois é humano – a sofrer uma injustiça na medida em que não consiga situar-se por cima dela, mas tem que fazer um esforço para consegui-lo; em nenhum caso tem direito a afundar-se em um abismo de amargura, pois semelhante atitude conduz ao inferno.

O homem não tem interesse em primeiro lugar em vencer uma injustiça; tem interesse em primeiro lugar em salvar sua alma e em ganhar o Céu. Por isto seria um mal negócio obter justiça a custa de nossos interesses últimos, ganhar pelo lado do temporal e perder pelo lado do eterno; ao que o homem se arrisca gravemente quando a preocupação por seu direito deteriora seu caráter ou reforça seus defeitos.

Em caso de encontro com o mal – e devemos a Deus e a nós mesmos nos mantermos na paz – podemos utilizar os argumentos seguintes. Em primeiro lugar, nenhum mal pode invalidar o Bem Supremo nem deve perturbar nossa relação com Deus; nunca devemos perder de vista, em contato com o absurdo, os valores absolutos. Em segundo lugar, devemos ter consciência da necessidade metafísica do mal. Em terceiro lugar, não percamos nunca de vista os limites do mal nem sua relatividade – vincit omnia veritas -. Em quarto lugar, há que se resignar, com toda evidência, à vontade de Deus, quer dizer, a nosso destino; o destino, por definição, é aquilo ao qual não podemos escapar. Em quinto lugar – e isto resulta do argumento anterior -, Deus quer provar nossa , e portanto também nossa sinceridade, nossa confiança e nossa paciência; por isto se fala das “provas da vida”. Em sexto lugar, Deus não nos pedirá contas pelo que fazem os demais, nem pelo que nos ocorre sem que sejamos responsáveis disto; só nos pedirá contas pelo que fazemos nós mesmos. Em sétimo lugar, a felicidade não é para esta vida, senão para a outra; a perfeição não é deste mundo, e a última palavra a tem a Beatitude. (Schuon PP)