Pascal, Blaise (1623-1662)
É difícil, para não dizer impossível, fazer uma síntese do que foi esse homem. Matemático, físico, filósofo e homem profunda e sinceramente cristão são qualificativos que configuram somente em parte o perfil de Pascal. Nele se conjugam o homem científico, pesquisador, inventor, filósofo moralista e religioso mergulhador no mar interior de si mesmo e de todos os homens. A influência de Pascal em Rousseau, Bergson, nos existencialistas e, em geral, em todo homem que procura a verdade e Deus é evidente. Sua figura e sua obra são exemplares para os científicos e para os cristãos de hoje.
Nascido em Clermont-Ferrand em 1623, foi educado por seu pai num ambiente cultural seleto. Cedo sentiu um irresistível interesse pelos estudos científicos, matemáticos e físicos. Fruto dessas primeiras afeições e estudos serão o seu primeiro escrito científico sobre as cônicas e a invenção da máquina calculadora para tornar mais fácil o cálculo dos impostos. A estes lhe seguirão muitos outros até o fim de sua vida.
Aos 23 anos, Pascal tinha uma fé rotineira, para quem “tudo o que é objeto da fé, não pode sê-lo da razão”. A partir de 1646, tanto seu pai quanto ele converteram-se numa piedade do tipo jansenista. É a chamada “primeira conversão”. Seguiu-lhe o período conhecido como mundano, caracterizado pela importância excessiva dada à pesquisa científica, a ânsia de glória e o gosto pela vida de sociedade. O estudo desta etapa mundana revelou um Pascal desejoso de conhecer o homem e a sociedade. Nos finais de 1653, iniciou sua “segunda conversão”, manifestada através de “um grande desprezo pelo mundo e um desgosto quase insuportável por todas as pessoas que pertencem a ele”. Na noite de 23 de novembro de 1654, consumou-se a segunda conversão. A graça o “levou ao esquecimento do mundo e de tudo, fora de Deus”. Essa noite ficou confiada a um pedaço de pergaminho que levou costurado no forro de sua roupa, sem que ninguém o percebesse, até sua morte: o Memorial, que conclui com a “submissão total a Jesus Cristo e a meu diretor”.
A partir dessa data, a vida e a atividade de Pascal adquiriram uma dimensão nova: sua vinculação a Port-Royal e ao jansenismo, e seu compromisso de escrever uma apologia do cristianismo, cristalizado nos Pensamentos.
De sua residência em Paris, com breves estadas em Port-Royal, Pascal esteve em contato com os jansenistas, principalmente com Arnauld e Nicole, a instâncias dos quais empreendeu a defesa de Jansênio e sua doutrina frente aos jesuítas. Assim nasceram as que se conhecem hoje como Cartas provinciais, ou simplesmente provinciais, “escritas a um provincial por um de seus amigos sobre o objeto da presente disputa da Sorbonne”. Foram escritas entre 23 de janeiro de 1656 e 24 de março de 1657. São 18 cartas, nas quais o alvo centra-se nos jesuítas. Os “jesuítas colocaram o cristianismo em perigo ao acomodá-lo no mundo; substituíram a contrição-arrependi-mento, fundados no amor de Deus, pela atrição, que procede do temor ao inferno”. “Outra forma de compromisso com o mundo é a substituição da verdadeira moralidade pelo legalismo e da lei moral por uma série de preceitos ocasionais. Os jesuítas descartam o dever, e no seu lugar colocam a licitude e a procura de razões que podem tornar lícitas ações que estão em evidente contradição com a consciência moral”.
O verdadeiro valor das Provinciais não está, no entanto, em sua crítica à teologia imoral jesuítica de sua época. A novidade das Provinciais está no estilo breve, conciso, direto, que torna Pascal, disse Boileau, o “criador do francês moderno”. E em desmascarar o falso cristianismo. Talvez tais cartas preparassem o material do que, na sua intenção, deveria ser a apologia do cristianismo, e que fica na forma de Pensamentos que hoje conhecemos. Da projetada apologia do cristianismo, conservam-se mil fragmentos, alguns apenas esboçados, outros totalmente acabados. Pode-se descobrir o esquema de sua obra no fragmento 187: “Os homens — diz Pascal — menosprezam a religião; sentem aversão por ela e temor de que seja verdadeira. Para superar tal atitude, é necessário começar por mostrar que a religião não é em absoluto contrária à razão, mas venerável, infundindo respeito por ela; portanto, deve-se fazer amável e conseguir que os bons desejem que seja verdadeira; finalmente, deve-se mostrar que é verdadeira; venerável, porque ela conhece bem o homem; amável, porque promete o verdadeiro bem”. Por isso, o plano de sua obra compreende duas partes: na primeira, quer demonstrar que a religião não é contrária à razão; na segunda, que é contrário à razão rejeitar sua evidência.
A linha seguida por Pascal nos Pensamentos pode ser traçada desde o interior do homem até Deus. Começa declarando o estado atual do homem. Após sua queda original, é um ser cego que tateia em vão num mundo de sombras, suspenso entre o nada e o infinito: um complexo de grandeza e de miséria. Esse paradoxo humano, combinação de miséria e grandeza, leva-o a procurar com sinceridade uma realidade verdadeira e superior. Finalmente, deve-se examinar se nos revelou, de alguma forma, essa fonte de grandeza que encontramos em nós. Nesse exame, conclui-se que a religião cristã, reforçada pelos milagres e profecias, destaca-se como a verdadeira.
Várias são as provas pelas quais, segundo Pascal, podemos chegar até a crença verdadeira, até a “visão desse Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, o único capaz de decifrar o nosso paradoxo humano. Entre as diversas razões, aponta uma particular e própria: o conhecimento do “coração”. Entre a razão e a sensibilidade, o conhecimento do coração — “a lógica do coração” — é o resultado de uma integração da universalidade racionalista dentro da fé pessoal. Dessa forma ganha sentido e valor o que é: “O coração tem razões que a inteligência não tem”. E uma prova auxiliar, não principal. Trata-se da famosa “aposta” na jogamos por uma todas as demais coisas. Podemos e devemos apostar na existência de Deus. Nesta aposta arriscamos uma série de bens finitos, mas ganhamos um bem infinito. Se se ganha, ganhamos tudo; se se perde, não perdemos nada. Deve-se apostar, portanto, que existe Deus, que é infinito, e jogamos contra algo finito. O caráter utilitário da prova indica-nos que ela é dirigida para os incrédulos: um passo prévio para dispor o espírito à procura do verdadeiro Deus. Não é uma prova que demonstre a verdade do cristianismo. Com ela não se demonstra que o cristianismo seja uma religião verdadeira: continua um mistério. Se é “o coração o que sente Deus e não a razão”, deve-se procurar um “Deus vivo” e não uma “verdade eterna”, ou um “organizador do universo”, o chamado “deus dos filósofos”. Deve-se procurar Deus em Jesus Cristo, o único que salva do ateísmo e do deísmo, e o único que permite o que é mais importante e decisivo: a salvação. Devemos comunicar-nos com Deus através da mediação com Jesus Cristo. Desta forma, o conhecimento de Deus deve ser ao mesmo tempo o conhecimento de nossa miséria. Em consequência, o problema que se deve tratar racionalmente é o das provas da verdade de Jesus Cristo, baseadas nos milagres e nas profecias. Assim sabemos qual é a verdadeira religião.
— Os que se extraviam, fazem-no por não verem uma destas coisas. Pode-se conhecer Deus sem conhecer a própria miséria, e a miséria sem Deus. Mas não se pode conhecer Jesus Cristo sem conhecer, ao mesmo tempo, a Deus e a própria miséria.
— Jesus estará em agonia até o fim do mundo: se não deve dormir durante esse tempo (735).
— Não conhecemos Deus senão por Jesus Cristo. Sem esse mediador, fica suprimida toda comunicação com Deus; por Jesus Cristo conhecemos a Deus. Todos os que pretenderam conhecer Deus e demonstrá-lo sem Jesus Cristo, não tinham mais do que provas impotentes (729).
BIBLIOGRAFIA: Oeuvres completes. Ed. de L. Brunschvich, 1904-1914, 14 vols.; J. Mesnard, Pascal: el hombre y su obra, 1973. (Santidrián)
Pascal, contemporâneo dos primórdios do racionalismo propriamente dito, já entende “coração” no sentido exclusivo de “sentimento”. (Guénon)