Pietistas (séc. XVII)
O pietismo não deve ser confundido com o quietismo, nem muito menos com o puritanismo. Esse último é um movimento de reforma que surgiu e evoluiu nos séc. XVI-XVII na Igreja da Inglaterra e que se transportou às colônias da América do Norte, onde criou o “modelo de vida puritana” que todos conhecem. O quietismo é um produto da Igreja Católica. Nasceu na Espanha (Molinos; Fénelon) e teve ramificações na Itália e na França. O pietismo nasceu na Alemanha protestante do século XVII. Acentua a fé pessoal em protesto contra a secularização da Igreja. Surgiu como reação da guerra dos “trinta anos” na Alemanha e estendeu-se um pouco por toda a Europa sempre que a religião se divorciava da experiência pessoal. Foram vários os motivos imediatos desse movimento, entre eles o endurecimento escolástico do luteranismo diante dos seus adversários, e a influência vinda do exterior, das obras dos puritanos ingleses, como Richard Baxter, John Bunyan e outros exilados na Holanda, como William Ames.
Embora, mais tarde, derivasse para uma literatura devocional, baseada em parte na tradição mística alemã, o próprio dos pietistas foi uma “teologia do coração”, alimentada pelos escritos de Johann Arndt (1555-1621). Encontraram seu refugio na Palavra pela leitura e meditação da Bíblia, reforçada pela força dos hinos da liturgia luterana. O principal representante desse movimento pietista na Alemanha foi F. Jacob Spener (1635-1705). Em seu ministério em Frankfurt, ficou impressionado com a vida decadente da cidade e organizou os primeiros collegia pietatis, nos quais os leigos cristãos reuniam-se regularmente para trocar suas experiências e fazer a leitura espiritual. Essas práticas transformaram-se em características dos colegia pietatis, recebendo seus frequentadores o nome de pietistas.
Em sua obra mais famosa, Pia desideria (1675), Spener expôs as debilidades da ortodoxia e adiantou uma reforma cujos pontos principais são: a) maior uso privado e público das Escrituras; b) maior dedicação por parte dos leigos de suas responsabilidades sacerdotais como crentes; c) a necessidade de que a fé viva dê frutos práticos; d) que a formação para o ministério ressalte mais a piedade e o conhecimento do que a disputa; e) que a prédica dirija-se mais à edificação. Para isso, os collegia pietatis foram um instrumento muito eficaz, assim como foram entre os católicos os Oratórios (Filipe Néri; Bérulle).
O sucessor de Spener foi Auguste H. Francke (1663-1727), da Universidade de Halle. Baseado no princípio de que “um grão de fé verdadeira vale mais do que um quintal de erudição histórica, e uma gota de caridade mais do que um oceano de ciência”, lançou-se a uma campanha intensa de alfabetização e de criação de escolas e de um seminário para mestres, nos quais se busca, fundamentalmente, “a piedade do coração”. Francke é considerado um dos grandes pedagogos da fé e da piedade cristãs, assim como das letras humanas. Exemplo disso é seu livro Doutrina mais breve e simples para dirigir as crianças à verdadeira piedade e ao espírito cristão (1702), que constitui um verdadeiro plano de ensino. Francke teve muitos outros seguidores, entre eles o fundador dos Irmãos moravos, um dos quais foi Comenius, o autor da Didática magna ( Educadores cristãos). Desta forma, o pietismo não só se abriu às novas formas de educação cristã, mas também a uma nova pastoral, à ação missionária e litúrgica. O movimento pietista calou fundo no seio do protestantismo alemão e de regiões de sua influência. Desde o século XVIII, estimulou direta ou indiretamente todos os movimentos “revivalistas” dos séc. XIX e XX.
BIBLIOGRAFIA: J. M. Gómez-Heras, Teología Protestante (BAC). (Santidrián)