potência

A potência é uma dessas noções analógicas primitivas que a bem dizer não podem ser definidas, mas que podemos somente nos esforçar por apreender através de exemplos, como por indução, e nos aplicando em distingui-las daquilo que elas não são.

Ressaltemos de início nossa noção distinguindo-a da noção vizinha de possibilidade. Como o ser em potência, o possível refere-se à existência: pode existir. Mas, de fato, não tem nenhuma realidade nas coisas; tem somente uma realidade objetiva, ou de objeto pensado, no espírito daquele que o concebe, e finalmente e fundamentalmente na inteligência divina (donde esta denominação de potentia objectiva que se atribui ao possível para significar que apenas existe como objeto de pensamento, ao passo que a potência, no sentido próprio, é a potentia subjectiva, isto é a que tem seu sujeito em um ser que lhe comunica sua realidade). O possível é, portanto, somente o que, não implicando contradição, está em estado de ser atuado pela potência divina. O ser em potência, pelo contrário, pertence à realidade da qual determina as ordenações efetivas às atuações ulteriores. Deve-se observar, entretanto, que mesmo pertencendo à realidade através de seu sujeito, o ser em potência, em sua linha própria, não está absolutamente em ato; em particular, ele não deve ser imaginado como envolvendo de modo oculto o ato que lhe corresponde: o potencial não é o implícito.

Como, então, conceber positivamente a potência? Já o dissemos: apreendendo-a de maneira analógica em casos particulares. A estátua está em potência no mármore que não foi talhado, a inteligência está em potência na medida em que não pensa efetivamente etc… Nestes casos e em todos os que se puderem imaginar, vê-se que o que há de comum ao estado de potência é de ser uma ordenação ao ato: potentia dicitur ad actum. Por esta fórmula exprimimos o que há de mais profundo na noção de potência. Precisando o que representa esta relação com o ato, podemos dizer que se trata de uma relação de um estado de imperfeição com um estado de perfeição. A estátua terminada é perfeita; no bloco de mármore existia apenas em estado imperfeito. Quem diz potência diz necessariamente imperfeição. Ordenação ao ato, imperfeição, tais são os dois caracteres comuns de toda potência.

– Divisões da potência.

Aristóteles, no livro 9, procede segundo seu costume a uma ordenação analógica da noção de potência em torno de uma de suas acepções que considera como fundamental (pelo fato de que o agente é a causa da paixão e, portanto, anterior a ela) a de potência ativa, isto é de potência de mudança de um outro enquanto tal. Reporta-lhe de início a potência passiva, potência que tem uma coisa de ser transformada por uma outra enquanto outra, depois distingue as potências racionais e as potências irracionais. Primitivamente, Aristóteles havia afastado da significação do termo potências que seriam equívocas em relação às precedentes, aquelas, por exemplo, que encontramos em geometria. Se temos em conta estes dados, e se aí acrescentamos as precisões mais importantes às quais a escolástica pôde aportar, obteremos o quadro seguinte:

A potência propriamente dita, potentia subjectiva, deve ser, desde o início, distinguida do possível, potentia objectiva.

A potência subjetiva se divide inicialmente em potência ativa, princípio da atividade no agente (principium transmutationis in aliud in quantum est aliud), e potência passiva, aptidão que tem uma coisa de ser transformada por uma outra (principium quod aliquis moveatur ab alio in quantum aliud).

Em relação ao agente, a potência passiva será chamada natural ou obediencial, segundo sua relação com um agente que lhe é imediatamente proporcionado, ou com um agente transcendente, especialmente com a potência divina.

Em relação ao ato, a potência passiva se distingue ainda segundo sua relação com um ato essencial (forma substancial, forma acidental), ou com o ato mesmo de existência.

As potências ativas são incriadas ou criadas, e estas últimas podem ser ordenadas, seja a uma ação imanente, potências racionais, seja a uma ação transitiva, potências irracionais. (Gardeil)