Para entender melhor os autores místicos e em geral a literatura mística cristã, é conveniente compreender o conceito e termo quietismo. “O quietismo é uma doutrina teológica e por sua vez uma posição metafísica, entendida, esta última, como disciplina de salvação mais do que como caminho de conhecimento” (Ferrater Mora, Diccionario de filosofia). Vinculado o conceito ao espanhol Miguel de Molinos, seus antecedentes, segundo Menéndez y Pelayo, são múltiplos: “A genealogia de Molinos — diz ele — remonta a muito mais tarde e chega até Sakya-Muni e os budistas indianos, e deles descende, passando pela escola de Alexandria e pelos gnósticos, até os begardos e os fraticellos e os místicos alemães do séc. XIV”. Nessa genealogia quietista devemos pensar, em especial, num autor e em sua obra como é o Pseudo-Dionísio Areopagita.
Costuma-se conceituar o quietismo como uma doutrina e atitude espiritual que põe a perfeição na passividade ou quietude da alma, na supressão do esforço humano, de forma que a ação da graça divina possa atuar totalmente. Assim, do ponto de vista religioso e cristão, o quietismo sempre enfatiza a contemplação, à qual se outorga superioridade, sobre todos os atos morais e religiosos, e ao qual lhe concede a única possibilidade de uma visão estática e direta do ser divino.
Nessa linha situa-se o quietismo de Molinos. As análises que se fazem da contemplação no Guia espiritual e em suas Cartas a um cavaleiro espanhol para animá-lo a fazer oração mental não objetivam a nada mais do que a provocar essa quietude do espírito através da contemplação. Para isso distingue: a) entre contemplação imperfeita, ativa e adquirida, e contemplação infusa e passiva; b) entre um silêncio de palavras, um silêncio de desejos e um silêncio de pensamentos, é superior a todos esse último por ser o único que conduz ao recolhimento interior. Termina afirmando que a perfeição da alma não consiste em pensar muito em Deus, nem em falar dele, mas em amá-lo muito. Só então a alma chega a gozar de summa felicidade. “Aniquilada a alma e com perfeita nudez renovada, experimenta uma profunda paz e uma saborosa quietude, que a conduzem a uma perpétua união de amor que em tudo se alegra. Essa alma chegou a tal felicidade que não quer nem deseja outra coisa senão o que seu amado deseja.”
Nesta situação, querer agir é ofender a Deus, que tudo deseja fazer no homem. A inatividade devolve a alma a seu princípio, o ser divino, no qual se transformou. Deus, a única realidade, vive e reina nele. A alma já não se ocupa da salvação nem de sua perfeição. Tampouco necessita realizar os exercícios ordinários de piedade. Inclusive diante das tentações, deve manter-se passiva, porque o espiritual não peca, pois não pode consentir.
O quietismo brotou na França, principalmente no caso de Fénelon e de Madame Guyon. Movimentos paralelos de quietismo encontram-se nos movimentos pietistas e nos “quackers” protestantes, embora não sejam idênticos. Tanto a doutrina de Molinos quanto a de Fénelon foram condenadas pela Igreja.
BIBLIOGRAFIA : M. Menendez y Pelayo, Historia de los Heterodoxos Españoles (BAC), 2 vols.; Helmut Hatzfeld, Estudios literarios sobre mística española. Gredos, Madrid 1968; Claudio Lendínez, Treinta y tres proposiciones sobre Miguel de Molinos. Júcar, Madrid 1974; J. R. Armogathe, Le quiétisme. PUF, Paris 1973. (Santidrián)