Duplo sentido do próprio nome João. Pretendemos falar aqui da significação etimológica desse nome no hebreu; quanto à aproximação entre João e Jano, é claro que se trata de uma assimilação fonética que não tem evidentemente qualquer relação com a etimologia, mas nem por isso é menos importante do ponto de vista simbólico, pois, de fato, as festas dos dois São João ocuparam o lugar das de Jano nos solstícios de verão e inverno. De fato, a palavra hanan, no hebreu, tem ao mesmo tempo o sentido de “benevolência” e “misericórdia” e de “louvor” (e é pelo menos curioso constatar que palavras como “grâce” e “merci”, no francês (e como graça(s), no português), têm exatamente a mesma dupla significação); por conseguinte, o nome Jahanan pode significar “misericórdia de Deus” e também “louvor a Deus”. É fácil portanto perceber que o primeiro desses dois sentidos parece convir de modo particular a São João Batista e o segundo a São João Evangelista; aliás, pode-se dizer que a misericórdia é evidentemente “descendente” e o louvor “ascendente”, o que nos leva de volta à sua relação com as duas metades do ciclo anual. (Guénon)
No cristianismo, as festas solsticiais de Jano tornaram-se as duas festas de São João (São João Evangelista e São João Batista), celebradas nas mesmas épocas, ou seja, nas proximidades dos solstícios de inverno e de verão. Também muito significativo é que o aspecto esotérico da tradição cristã sempre foi visto como “joanita”, o que dá a esse fato um sentido que ultrapassa de modo claro, sejam quais forem as aparências exteriores, o simples domínio religioso e exotérico. (Guénon)
A festa de São João do inverno (no hemisfério norte) está desse modo muito próxima do Natal, que, sob um outro ponto de vista, também corresponde exatamente ao solstício de inverno, tal como já explicamos. Um vitral do século XII da igreja de Saint-Rémi, em Reims, apresenta uma figuração praticamente curiosa, e sem dúvida excepcional, em relação ao que estamos tratando aqui; discutiu-se em vão a questão de saber qual dos dois São João está ali representado. A verdade é que, sem precisarmos ver nisso qualquer confusão, o vitral representa os dois, sintetizados na figura de um único personagem, o que é demonstrado pelos dois girassóis colocados em sentidos opostos acima de sua cabeça e que correspondem aos dois solstícios e aos dois rostos de Jano. Podemos ainda assinalar, a título de curiosidade, que a expressão popular francesa “João que chora e João que ri” é na realidade uma lembrança dos dois rostos opostos de Jano. (Guénon)
Mesmo sob sua forma “especulativa” moderna, a maçonaria sempre conservou também, como um dos testemunhos mais explícitos de sua origem, as festas solsticiais consagradas aos dois São João após terem sido dedicadas às duas faces de Jano. É assim que o dado tradicional das duas portas solsticiais, com suas conexões iniciáticas, manteve-se ainda vivo até no mundo ocidental atual, mesmo que de um modo geral incompreendido. No simbolismo maçônico, duas tangentes paralelas a um círculo são consideradas, entre diversos outros significados, como representações dos dois São João; se o círculo for visto como uma figura do ciclo anual, os pontos de contato das duas tangentes, diametralmente opostas entre si, corresponderão então aos dois pontos solsticiais. (Guénon)