ser enquanto ser

Já foi dito que este é o terceiro dos aspectos sob os quais se apresenta a metafísica de Aristóteles. A universalidade aparece aí como o caráter posto em relevo. As noções mais comuns, com efeito, não devem ser tratadas no início de cada ciência particular, o que acarretaria repetições fastidiosas; mas também não podem permanecer cientificamente indeterminadas; é preciso então que sejam objeto de uma parte especial da filosofia.

– Gênese histórica da metafísica do ser.

Por que esta escolha do ser como a primeira e, portanto, como a mais fundamental de todas as noções universais? Encontramo-nos aqui diante do que se pode considerar como a opção talvez mais decisiva do peripatetismo, opção que, por outro lado, havia sido longamente preparada pela história.

Pelo que se pode saber, é a Parmênides que cabe o mérito de ter descoberto o valor privilegiado da noção de ser. Estava-se depois de um século ou dois, nas escolas filosóficas da Grécia, à procura de um elemento primitivo, ou da substância primordial da qual poderia ser composto o mundo físico: para Tales era a água, o ar para Anaximeno, o fogo para Heráclito. Alguns, ultrapassando a aparência sensível, já haviam pensado remontar a um princípio não perceptível, crendo Anaximandro tê-lo encontrado no indeterminado (apeiron), e Pitágoras no número. Ora, no seu poema sobre a natureza, desde logo Parmênides nos abre a via que conduz ao ser: esta é, para ele, a via da verdade, o ser é, e este ser é uno, indiviso, imóvel, contudo ainda corporal, à maneira de uma esfera, e o não-ser absolutamente não é. Certamente, no rigor desta tomada de posição, o devir e a multiplicidade real das coisas veem-se indevidamente sacrificados, mas a metafísica do ser está fundada.

Platão, sem negligenciar o ser parmenidiano e os problemas que este colocava, em realidade orientou sua pesquisa do primeiro princípio em outra direção. Em última análise, o que explica uma coisa é o seu fim, isto é, sua perfeição ou seu bem. A ideia ordenadora suprema é, portanto, a de bem, em que a ciência por excelência, a dialética, irá procurar a sua luz própria. Entretanto, em seus últimos diálogos, Platão parece ter ultrapassado esta posição inicial: deve haver algo ainda mais elevado do que o bem, o uno, de onde procede o múltiplo. O passo decisivo nesta nova via será transposto seis séculos mais tarde por Plotino; para este, sem equívoco possível, o princípio primeiro é uno e, em consequência, o conhecimento mais elevado é a contemplação do uno. O ser em Platão e em sua escola é uma noção subordinada: o bem, a título de fim tem mais valor explicativo, e o uno em sua simplicidade é mais primitivo.

Aristóteles não julga menos dever voltar ao ser para a determinação da noção primeira e do objeto próprio da ciência suprema. O bem e o uno, certamente, pertencem a todo ser e são, com efeito, noções universais e primitivas, são transcendentais. Mas, do ponto de vista absoluto, o ser, Tò öv, os precede. É preciso, de início, ser para que se possa falar de um ser uno ou de um ser bom: a metafísica será, pois, essencialmente a ciência do ser. (Cf. Texto 11, p. 143) .

– Redução à unidade das três concepções precedentes.

Deve-se observar que, definindo a metafísica como ciência do ser enquanto ser, nós lhe conferimos por isto mesmo seu objeto próprio, ou, seguindo uma terminologia mais adequada, seu subjectum. Do ponto de vista lógico, as duas concepções anteriormente definidas desta ciência juntam-se a esta. Com efeito, não é a uma mesma ciência que cabe considerar um objeto e as causas de que ele depende? Se é assim, a ciência do ser enquanto ser deve envolver o conhecimento de suas causas (causas primeiras), isto é, finalmente o conhecimento de Deus (a causa mais imaterial). As três definições da metafísica dadas precedentemente implicam, portanto, uma a outra, mas permanece que o ser enquanto ser é o objeto próprio desta ciência (Cf. Tomás de Aquino, Metaf., Proemium). (Gardeil)