Lucille (áudio) – amor impessoal

Barcelona, 2 de enero de 2014

Interlocutor: Francis, você poderia nos falar sobre o amor impessoal? É uma noção que acho difícil de entender. Talvez seja um problema de definição, porque acho que quando amo, sempre amo alguém ou algo, isso significa que há sempre um lado pessoal que parece inevitável.

Francis Lucille: Se existe alguém que ama alguém ou algo, existe uma separação entre um e outro.

O amor é a ausência de separação e o amor impessoal é a experiência da ausência de separação, é a dissolução da separação, é a experiência da nossa realidade última, que é a substância dos objetos aparentemente separados.

É um desconhecimento do amor verdadeiro concebê-lo como algo entre dois seres separados e, precisamente, o amor verdadeiro é o reconhecimento do Ser único. Esse é o amor impessoal que significa que não há duas pessoas, não há dois objetos.

É diferente do, supostamente, chamado amor pessoal que parte da ignorância. Que parte da crença de que somos uma pessoa separada, um ser humano, um homem ou uma mulher, e que acredita que nossa felicidade final depende de outro objeto, outra pessoa ou um evento.

Isso não significa que o corpo e a mente humanos não tenham necessidade de relacionamento, ao mesmo tempo no plano sexual para alguns de nós, mas, acima de tudo, ao nível social ou psicológico.

Há que se estabelecer uma distinção clara entre o que é a satisfação de uma necessidade ou o reconhecimento de uma necessidade e amor que é livre no sentido de que não está condicionado por uma necessidade.

O amor impessoal não vem da necessidade, vem da bem-aventurança, vem da auto-suficiência e comunga, em certo sentido, com essa bem-aventurança, com essa alegria, mas a relação não é necessária para ele. Nesse sentido, não vem da necessidade. O amor que provém da necessidade não é amor.

Na satisfação de uma necessidade, quando esta necessidade cessa, fazemos a experiência de um momento sem necessidade, sem desejo; sendo o desejo o aspecto psicológico que está ligado à necessidade.

Uma necessidade é uma pulsão impessoal e o desejo é uma pessoa, uma entidade psicológica que adere à necessidade, seria a ignorância que se sobrepõe à necessidade.

Para fazer a distinção, o amor impessoal vem da plenitude e o amor pessoal vem da necessidade, isto é, a falta de plenitude e permanece para sempre na ausência de plenitude. Em certo sentido, o amor impessoal e o amor pessoal são incomensuráveis. O amor pessoal não vai se transformar em amor impessoal seguindo uma gradação. O amor pessoal, de fato, não é amor e o melhor que pode fazer é morrer com a pessoa à qual se refere e, nessa morte, o amor impessoal é revelado.

Um bom exemplo de amor pessoal são as óperas do século XIX: “Ele não ME ama, eu quero morrer”. Eles são emocionantes de ver, muito interessantes …