(…) Seria um erro supor que afirmações como Subhani, “Glória a mim”, de Bayazid, Ana ‘l-Haqq, “Eu sou Deus”, de Hallaj, e Ana Hiya, “Eu sou Ela”, de Ibnu l’Farid, sejam, por si só, evidências de panteísmo. Enquanto a transcendência for reconhecida, a afirmação mais enfática da imanência não é o panteísmo, mas o panenteísmo — não a doutrina de que tudo é Deus, mas a doutrina de que tudo está em Deus, que também está acima de tudo. Além disso, os excessos do sentimento místico não devem ser identificados com crenças teológicas. Como regra geral, os muçulmanos consideram que entre o santo e Deus existe uma relação misteriosa que deve ser respeitada, mesmo que isso o coloque em conflito com a lei religiosa; mas na época de Hallaj, a veneração dos homens santos ainda não havia chegado ao ponto de colocá-los fora de perigo. Quando Hallaj foi levado a julgamento, os membros legais do tribunal insistiram que ele deveria ser impugnado por ter incluído a Peregrinação a Meca na classe de obrigações religiosas que não são absolutamente obrigatórias, mas que admitem revogação. Essa doutrina, juntamente com a acusação de que ele mantinha correspondência secreta com os Cannathians, que nove anos depois saquearam Meca e levaram a Pedra Negra, pode ter lhe custado a vida. O fato de ele se declarar essencialmente unido a Deus foi apenas um dos quatro pontos sob os quais ele foi acusado e, por si só, pode não ter garantido sua condenação, embora, como veremos, seu ensinamento sobre esse ponto tenha assumido uma forma que o tornou especialmente abominável para os muçulmanos1.
As palavras Ana ‘l-Haqq ocorrem em um livro extraordinário composto por Hallaj, o Kitab al-Tawasin, que foi editado em 1913 por M. Louis Massignon. Escrito em prosa árabe rimada e dividido em onze breves seções, ele apresenta uma doutrina da santidade — uma doutrina fundamentada na experiência pessoal e revestida na forma de uma dialética sutil, porém apaixonada. O estilo é tão técnico e obscuro que, mesmo com a ajuda do comentário persa, às vezes só podemos adivinhar o significado que o escritor pretendia transmitir. Em vez de traduzir o texto2, o editor dedicou anos de trabalho paciente para compreendê-lo e ilustrá-lo, e o resultado é que sua monografia sobre Hallaj deve ser estudada cuidadosamente por todos os interessados no sufismo. Pois agora está claro que as palavras de Ana ‘l-Haqq não eram uma ejaculação de entusiasmo visionário, mas a fórmula intuitiva na qual todo um sistema de teologia mística se resumia. E esse sistema não é apenas o primeiro no tempo, é também profundamente original. O poder e a vitalidade das ideias desse homem são atestados pela influência que exerceram sobre seus sucessores. Suas cinzas foram espalhadas, varridas, como ele profetizou, por ventos e águas correntes, mas suas palavras viveram depois dele e nós as vemos, durante toda a Idade Média, surgindo como faíscas e acendendo uma nova vida.
- Nicholson (RNPS: 27-28) – panenteísmo
- Nicholson (RNPS:30-31) – duas naturezas em Deus
- Nicholson (RNPS:31-33) – Iblis
- Nicholson (RNPS) – Hallaj “Eu sou Deus”