Nisargadatta (NMIam) – eu sou o corpo

P: Qual é a relação entre o vyakta e o avyakta? — M: Como pode haver relação se eles são um só? Toda conversa sobre separação e relação se deve à influência distorcida e corruptora da ideia do “eu sou o corpo”. O eu exterior (vyakti) é meramente uma projeção no corpo-mente do eu interior (vyakta), que, por sua vez, é apenas uma expressão do Eu Supremo (avyakta), que é tudo e nada. EU SOU AQUILO: 62


P: Se eu sou da natureza da consciência onipresente, como a ignorância e a ilusão poderiam acontecer comigo? — M: Nem a ignorância nem a ilusão jamais aconteceram com você. Encontre o eu ao qual você atribui a ignorância e a ilusão e sua pergunta será respondida. Você fala como se conhecesse o eu e o visse sob o domínio da ignorância e da ilusão. Mas, de fato, não conhece o eu, nem está ciente da ignorância. De qualquer forma, torne-se consciente — isso o levará ao eu e você perceberá que não há ignorância nem ilusão nele. É como dizer: se há sol, como pode haver escuridão? Assim como sob uma pedra haverá escuridão, por mais forte que seja a luz do sol, na sombra da consciência do “eu sou o corpo” deve haver ignorância e ilusão. EU SOU AQUILO: 71

P: Como um grão como eu pode criar o vasto universo? — M: Quando você é infectado pelo vírus “eu sou o corpo”, um universo inteiro passa a existir. Mas quando você se cansa disso, alimenta algumas idéias fantasiosas sobre liberação e segue linhas de ação totalmente fúteis. Você se concentra, medita, tortura a mente e o corpo, faz todo tipo de coisas desnecessárias, mas perde o essencial, que é a eliminação da pessoa. EU SOU ISSO: 71


P: Como a pessoa passa a existir? — M: Exatamente como uma sombra aparece quando a luz é interceptada pelo corpo, assim também a pessoa surge quando a autoconsciência pura é obstruída pela ideia do “eu sou o corpo”. E assim como a sombra muda de forma e posição de acordo com a configuração do terreno, a pessoa parece se alegrar e sofrer, descansar e trabalhar, encontrar e perder de acordo com o padrão do destino. Quando o corpo não existe mais, a pessoa desaparece completamente sem retorno, restando apenas a testemunha e o Grande Desconhecido. A testemunha é o que diz “eu sei”. A pessoa diz “eu sei”. Agora, dizer “eu sei” não é falso — é apenas limitado. Mas dizer “eu faço” é totalmente falso, porque não há ninguém que faça; tudo acontece por si só, inclusive a ideia de ser um fazedor. EU SOU AQUILO: 79


P: Sinto que meu apego ao corpo é tão forte que simplesmente não consigo abandonar a ideia de que sou o corpo. Ela se agarrará a mim enquanto o corpo durar. Há pessoas que afirmam que nenhuma realização é possível enquanto se está vivo e eu me sinto inclinado a concordar com elas. — M: Antes de concordar ou discordar, por que não investigar a própria ideia de um corpo? A mente aparece no corpo ou o corpo na mente? Certamente deve haver uma mente para conceber a ideia de “eu sou o corpo”. Um corpo sem uma mente não pode ser “meu corpo”. O “meu corpo” está invariavelmente ausente quando a mente está em suspenso. Ele também está ausente quando a mente está profundamente envolvida em pensamentos e sentimentos. Quando você percebe que o corpo depende da mente, e a mente, da consciência, e a consciência, da percepção, e não o contrário, sua pergunta sobre esperar pela autorrealização até morrer é respondida. Não é que você deva primeiro se libertar da ideia do “eu sou o corpo” e depois realizar o eu. Definitivamente, é o contrário — você se apega ao falso porque não conhece o verdadeiro. A sinceridade, e não a perfeição, é uma condição prévia para a autorrealização. As virtudes e os poderes vêm com a realização, não antes. EU SOU AQUILO: 84


P: Obviamente, eu não sou onipresente e eterno. Estou apenas aqui e agora. — M: Muito bem. O “aqui” está em toda parte e o “agora” — sempre. Vá além da ideia do “eu sou o corpo” e descobrirá que o espaço e o tempo estão em você e não você no espaço e no tempo. Quando você entender isso, o principal obstáculo à realização será removido. EU SOU ISSO: 92


P: Desde o início de minha vida, sou perseguido por uma sensação de incompletude. Da escola à faculdade, ao trabalho, ao casamento, à riqueza, eu imaginava que a próxima coisa certamente me daria paz, mas não havia paz. Essa sensação de insatisfação continua crescendo com o passar dos anos. — M: Enquanto houver o corpo e o senso de identidade com o corpo, a frustração é inevitável. Somente quando você se conhecer como totalmente alheio e diferente do corpo, encontrará alívio para a mistura de medo e desejo inseparável da ideia de “eu sou o corpo”. O mero alívio dos medos e a satisfação dos desejos não removerão essa sensação de vazio da qual você está tentando escapar; somente o autoconhecimento pode ajudá-lo. Por autoconhecimento, quero dizer conhecimento pleno do que você não é. Esse conhecimento é alcançável e definitivo. Esse conhecimento é alcançável e definitivo; mas a descoberta do que você é não pode ter fim. Quanto mais você descobre, mais há para descobrir. EU SOU AQUILO: 93

 

Nisargadatta Maharaj (1897-1981)