(Safranski2010)
Curioso, Hoffmann adentra um campo de batalha próximo a Dresden, durante as guerras de libertação, com um copo de vinho na mão. A estética do horror como reação ao pavor. Ou ele é um voyeur, ou se afasta; em ambos os casos a fantasia está em jogo. Enquanto a batalha por Dresden ainda está em curso, ele começa em 1813 com O caldeirão dourado, o “conto de fadas dos tempos modernos”, como declara o subtítulo.
O estudante Anselmus está sentado ao lado do rio Elba, perto de Dresden, embaixo de um arbusto de sabugueiro, a sonhar com os prazeres no bar ao ar livre, com as mocinhas bonitas de lá, com tudo que lhe foi tirado porque ele perdeu seu dinheiro. Através do sonho, ele parte de uma realidade e chega a outra. Encontra o arquivista Lindhorst e sua bela filha Serpentina. Lindhorst faz parte das pessoas que, quando se despede delas com um forte aperto de mão, ainda se as ouve por algum tempo no eco do beco, até que elas, depois de algum distanciamento, se erguem e, como uma águia, voam para longe. Ou será que parecem mais uma gigantesca salamandra? De qualquer modo, Lindhorst é alguém “que fazia parecer distante a vida cotidiana de pessoas comuns”. Anselmus gostaria mesmo é de voar atrás dele. No final, ele consegue sua Serpentina e some para a Atlântida. Resta apenas o narrador, triste e cansado. Não consegue continuar a escrever sobre seu protagonista. A sobriedade voltou, falta um gole. Mas Lindhorst, isto é, Salamandra, não o deixa na mão. Ele aparece carregando um belo troféu dourado, do qual se ergue uma chama azul. “Aqui, disse ele, trago a bebida favorita do seu amigo, o regente de música Johannes Kreisler. — É o arrak em chamas… Beba um golinho.” O narrador não espera que ele diga isso de novo. Assim, as artes de Salamandra permitem um olhar completamente artístico para o outro lado. O paraíso está bem ali.