(PLW1980)
Poder-se-ia dar centenas de outros exemplos da poesia persa, na qual nunca se pode dizer com certeza se o ‘amado’ a quem se dirige é humano ou divino — precisamente porque ele ou ela é ambos ao mesmo tempo. Certamente tal figura, que assim medeia para o amante entre este mundo e o céu, merece acima de todos os outros ser chamada de Anjo.
No Ocidente cristão, com sua ênfase em uma única e suprema manifestação do Divino em forma humana, podemos perder esse senso das possibilidades angélicas do amor humano. Na poesia de Dante e seus companheiros trovadores da seita conhecida como ‘Fedeli d’Amore’, no entanto, aparece um eco poderoso — talvez até influenciado pelo ensinamento sufi — desse Caminho. Para Dante, Beatriz era de fato a testemunha: ela era tanto uma mulher viva quanto um Anjo no céu. Na Vita Nuova, ele se lembra de como, em sua juventude, a viu nas ruas de Florença. Ao retornar ao seu quarto, ele caiu em
“um sono agradável, no qual uma visão maravilhosa ME foi apresentada: pois parecia haver em meu quarto uma névoa da cor do fogo, dentro da qual eu distingui a figura de um senhor de aspecto terrível para aqueles que o contemplassem [Eros], mas que parecia com isso se alegrar interiormente que era uma maravilha de se ver. Falando, ele disse muitas coisas, entre as quais eu podia entender apenas algumas; e destas, isto: ‘Eu sou teu mestre.’ Em seus braços parecia-ME que uma pessoa estava dormindo, nua, exceto por um pano cor de sangue; ao qual olhando muito atentamente, eu sabia que era [Beatriz]. E aquele que a segurava também segurava em sua mão uma coisa que estava queimando em chamas; e ele ME disse: ‘Eis teu coração.’ Mas quando ele permaneceu comigo um pouco, pensei que ele se dispôs a acordar aquela que dormia; depois do que ele a fez comer aquela coisa que flamejava em sua mão; e ela a comeu como alguém que teme.”
Aqui estamos mais uma vez na presença daquele que é o maior de todos os mensageiros entre o céu e a terra, o próprio Amor. Em um fluxo carmesim, o Arcanjo preside o momento do encontro do poeta com seu destino, seu amor, sua alma, seu Anjo. No próprio momento do encontro, com o comer do coração flamejante, a consumação final é prenunciada: a união da alma com Deus através da amada angélica.