Kingsley (Catafalque:442-443) – Catafalque

“Catafalque” vem de uma antiga palavra italiana usada para descrever a estrutura de madeira decorada, elegantemente bordada, que era erguida como base sobre a qual o caixão de uma pessoa famosa ou importante podia ser colocado. Ela ficava ali como uma estrutura básica, sustentando a pessoa que havia morrido, no meio de todas as cerimônias fúnebres, das procissões e das homenagens finais.

E esse, em uma palavra, é o objetivo do meu trabalho: fornecer um catafalco para o nosso mundo ocidental.

Se essa afirmação lhe parece estranha, é porque você não entende que esse nosso mundo já está morto. Ele existiu por um tempo, fez o melhor que pôde, mas não passa de um resquício sem vida do que deveria ser. E enquanto a consciência otimista de nossa mídia de massa, nosso sistema educacional e nossa histeria coletiva continuam tentando praticar alguma necrofilia estranha no corpo de nossa cultura, há algo completamente diferente que precisa ser feito.

A atitude correta neste momento é nos reunirmos para fazer um lamento ritual. Poderíamos chamar isso de higiene mais básica, além de sanidade. Precisamos lamentar; precisamos comemorar o fim antes que um novo começo limpo possa acontecer. Como os povos indígenas sabem instintivamente, mas nós nos esquecemos em nossa frieza, quando chega a hora de chorar, é preciso chorar.

E este é o momento de marcar e honrar a passagem de nossa cultura. É o momento de amarrar as pontas soltas e arrumar as coisas; terminar com nobreza e dignidade; limpar tudo e colocar a casa em ordem.

Não há necessidade agora de otimismo ou esperança. Pelo contrário, entramos em um lugar em que toda esperança deve ser abandonada e continuar a se entregar ao otimismo é uma negligência descarada de nosso dever. A única coisa necessária é exatamente o oposto de nossa esperança fabricada, que é a realidade divina da — porque a é a flor mais extraordinária, tão viva e inteligente quanto bela, que você pode encontrar na rua, no escuro, ou sozinho em casa, se sua visão não estiver atrofiada pela esperança.

Quanto ao otimismo, ele é tão devastador quanto o pessimismo, pois nos impede de ver as realidades ao nosso redor.

É claro que até mesmo falar sobre a possibilidade de algum meio-termo mágico, escondido entre a esperança e o desespero, é quase inútil quando confrontado com a pressão coletiva para nos precipitarmos no precipício por pura ganância expectante por mais e mais. E quanto à insensatez de afirmar que tudo acabou: nada poderia soar tão racional ou flagrantemente absurdo.

Mas essa é simplesmente a natureza impossível da situação com a qual estamos nos deparando.

KINGSLEY, P. Catafalque: Carl Jung and the end of humanity. London: Catafalque Press, 2018.

Peter Kingsley