Nicolau de Cusa — Visão de Deus
Excertos do Prefácio de Miguel Baptista Pereira, da tradução portuguesa
As mutações históricas não podem ser ignoradas pelo esforço científico e filosófico do homem nem pela construção da Teologia, sempre dependente, aliás, não só de uma Epistemologia, que se deseja contemporânea e não anacrónica ou culturalmente morta, mas também dos problemas vivos e inadiáveis da discussão filosófica séria e empenhada. As rupturas ou cesuras epocais são o reverso necessário das fulgurações da história, que, para além da fugacidade do efémero, exibe extensões estruturais de duração secular quase estagnada e conjunturais ou epocais, contrastantes pelos horizontes de compreensão, que iniciam. A conjuntura cultural rasga o campo em que os acontecimentos de um período determinado se podem interpretar e é precisamente esta conjuntura que apresenta semelhanças com o que hoje se chama modelo ou paradigma, pois o seu horizonte cultural de compreensão usa modelos para ordenar e compreender os acontecimentos. O câmbio da época conjuntural, quando conscientemente assumido, desencadeia um novo horizonte cultural com seus modelos originais, que possibilitam um olhar diferente do homem sobre o mundo e justificam a expressão «mudança de paradigmas» sobre um fundo estrutural de alteração imperceptível. «Esta estrutura torna possível que interpretações oriundas de outros horizontes conjunturais de compreensão possam ainda ser acessíveis àqueles homens, que vivem numa época cultural diferente». Esta diferença entre estrutura profunda e conjuntura desloca para o campo das interpretações o «choque» das culturas, cujos horizontes de compreensão privilegiam, em virtude da diferença de paradigmas, determinados problemas, que noutras épocas permaneciam periféricos, pois nenhuma época há que não ostente «manchas de cegueira» e «verdades esquecidas», postas em relevo noutra conjuntura cultural.