Na vida cotidiana, a atividade religiosa não tem um nome ou status específico, pois, como Marcel Granet rapidamente observou, “na China, a religião não é uma função diferenciada da atividade social”. Nos tempos modernos, ao tentar contar, inventariar e classificar as populações, acabamos convencendo as pessoas de bem de que eram budistas, confucionistas, sincretistas ou, ainda mais recentemente e de acordo com a ideologia oficial, simplesmente supersticiosas. Quando se trata de religião cotidiana, o termo “taoista” raramente é usado, pois sempre implicou em iniciação nos mistérios e, portanto, é reservado aos “mestres”, os sábios locais.
Tradicionalmente, portanto, não existe um termo específico para expressar a noção de atividade religiosa. O chinês moderno adotou a palavra tsong-kiao, literalmente: doutrina sectária, para traduzir nossa palavra “religião”. Quando essa palavra é usada para a própria religião chinesa, que tem como objetivo ser um verdadeiro elo entre todos os seres, sem qualquer confissão doutrinária, profissão de fé ou dogmatismo, o mal-entendido é óbvio.
[…] Nossa palavra religião não tem equivalente em chinês. O mesmo se aplica, obviamente, à noção de divindade. Ao traduzir a Bíblia, os missionários adotaram a palavra chen para significar deus. Mas essa foi uma transposição bastante infeliz. Os “deuses” chineses — como veremos, os santos padroeiros — não são chamados simplesmente de “chen”, mas de chen-ming, que significa literalmente “brilho da alma celestial”, ou seja, força divina e sobrenatural. Pois chen significa alma, não no sentido cristão da palavra, mas como uma das múltiplas almas com as quais todo ser humano é dotado. A ontologia chinesa reconhece vários princípios espirituais que compõem a pessoa humana: o homem é um ser complexo, um composto de diversas essências. Essa noção está ligada à cosmologia.