Pode-se dizer que é a ausência de definição que constitui a característica fundamental da religião chinesa. Não sei se outras culturas criaram uma noção semelhante à do Tao, mas na China, desde a Antiguidade, ela tem sido essencial. O Tao é, por definição, indefinível. Ele só pode ser apreendido em seus infinitos e múltiplos aspectos. Como princípio transcendente e imanente do universo, o Tao é inominável, inefável e, ainda assim, está presente em tudo. Ele é muito mais do que um “princípio”. O significado primário do signo tao é “caminho”: os dados subjacentes à mutação e à transformação dos seres, o processo espontâneo que governa o ciclo natural do universo. Nesse processo, nesse caminho, o mundo fragmentado, a criação da qual somos parte integrante, recupera sua unidade.
Mas devemos ter cuidado para não estender essa noção de unidade ao próprio Tao. O Tao pode criar um, mas ele próprio não é o Um. Ele dá origem ao Uno, pode ser o Uno, e então pode romper essa unidade, dividi-la: “O Tao deu origem ao Uno; o Uno deu origem aos Dois, os Dois aos Três, os Três aos Dez Mil Seres”, diz o Tao-te king. Essa ação criativa do Tao é chamada de poder em chinês, uma expressão frequentemente traduzida como “virtude”, sem levar em conta o fato de que “virtude” vem de virtus e da raiz vir, que significa macho. Mas a ação do Tao, seu poder criativo, é feminino.
O Tao é fluxo, transformação, um processo e um caminho de alternância, um princípio de tempo cíclico: “sem um nome, é a origem do Céu e da Terra; tendo um nome, é a Mãe de Dez Mil Seres” (Tao-te king, cap. 1).
A ausência de definição não é característica apenas do pensamento filosófico do taoismo, mas também de sua prática e existência no mundo. Por quase dois mil anos, as pessoas viveram dentro de organizações comunitárias, à sombra de seus santuários locais, organizando festivais e cerimônias que constituem as estruturas litúrgicas do taoismo, invocando seus mestres, sem professar conscientemente essa “religião”; pois como organização religiosa e litúrgica, o taoismo, o corpo social das comunidades locais, nunca teve nenhum órgão de governo real, nem doutrinas canônicas, nem dogmas que implicassem uma escolha confessional.
Tampouco, no decorrer de sua longa história, o taoismo jamais experimentou conflitos internos ou sérias rivalidades entre suas diferentes correntes, pois nada está mais distante do espírito do Tao do que cabalas e facções. O taoismo, por outro lado, tende a absorver e harmonizar todas as correntes a fim de superar as contradições e sobreviver às vicissitudes do mundo. Consegue isso, não por aderir a uma fórmula ou doutrina, mas por se modelar no Tao e em seu trabalho na realidade mais imediata: nossos corpos físicos. “O Tao não está longe, ele está em meu corpo”, dizem os sábios.
A prioridade do corpo humano sobre os sistemas sociais e culturais se reflete na predominância do mundo interior sobre o mundo exterior e na recusa em buscar o absoluto no pensamento. O ponto de partida permanece concreto, até mesmo físico, embora seja universal e cotidiano. Essas são as principais razões pelas quais o taoismo é tão difícil de ser compreendido por nossas mentes ocidentais. Há outras razões, mais circunstanciais, que dificultam sua abordagem.