Schuon Desejos

Frithjof Schuon — DESEJOS
VIDE epithymia


O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
-A inteligencia humana é essencialmente objetiva e, portanto, total: com a ajuda da graça, ela é capaz de julgamento desinteressado, de raciocínio, de meditação assimilante e deificante. Esse caráter de objetividade pertence igualmente à vontade — é esse caráter que a torna humana — e por isso a nossa vontade é livre, isto é, capaz de desprendimento, de sacrifício, de ascese. Nosso querer não se inspira apenas em nossos desejos; inspira-se fundamentalmente na verdade e esta é independente dos nossos interesses imediatos. Assim também em relação à nossa alma, à nossa sensibilidade, à nossa capacidade de amar: humana, ela é, por definição, objetiva, portanto desinteressada em sua essência ou em sua perfeição primordial e inocente. Ela é capaz de bondade, de generosidade, de compaixão, quer dizer, é capaz de encontrar sua felicidade na dos outros e em detrimento de suas próprias satisfações. Do mesmo modo, é capaz de encontrar sua felicidade acima dela mesma, em sua personalidade celeste, que ainda não lhe pertence totalmente. Dessa natureza específica, feita de totalidade e objetividade, derivam a vocação do homem, seus direitos e os seus deveres.

-Segundo um hadith, o diabo não pode tomar a aparência do Profeta. Isto é perfeitamente plausível em si, mas não se pode questionar qual é a utilidade dessa informação, visto que, após o desaparecimento dos Companheiros, não havia mais, e não há mais, testemunha dessa aparência. O alcance prático do hadith é o seguinte: se o diabo tomasse a aparência de um homem deificado ou de um anjo, ele forçosamente se trairia por algum detalhe dissonante. Provavelmente, isso passaria despercebido para aqueles em cuja intenção há falta de desprendimento e de virtude, os quais, colocando seus desejos acima da verdade, querem, no fundo, ser enganados, mas não por aqueles cuja inteligência é serena e a intenção pura. Objetivamente, o demônio não pode tomar a aparência perfeitamente adequada de um “anjo de luz”, mas pode fazê-lo subjetivamente adulando e, portanto, corrompendo o espectador aberto à ilusão. Isso explica por que, no clima da mística individualista e passional, rejeita-se, às vezes, toda aparição celeste, medida de prudência que não teria nenhum sentido fora de tal clima e que, em todo caso, é excessiva e problemática em si mesma.

-Segundo a Theologia Germanica, “o pecado nada mais é do que isto: que a criatura se desvie do Bem imutável e se vire para o bem mutável”. Adão caiu “porque reivindicou algo para si mesmo … Se tivesse comido sete maçãs, sem nunca reivindicar algo para si mesmo, não teria caído”. A maçã estava proibida, justamente porque coincidia para Adão com o desejo de um bem “para mim”. Isso quer dizer que o “pecado” cósmico é o principium individuationis.

-Quando a Igreja ensina que Maria foi “concebida sem pecado”, refere-se ao fato de sua alma ter sido criada sem a mácula do pecado original. Mas muitos fiéis não-instruídos creem que esse atributo se refere à maneira extraordinária da sua concepção, realizada sem a união carnal dos seus pais — segundo uma tradição — ou, pelo menos, sem desejo nem prazer na união, portanto sem “concupiscência”. Se essa interpretação não é teológica, sua existência não deixa de ser significativa, pois tal sentimento é típico da perspectiva cristã.



Frithjof Schuon