A consequência mais grave da queda não é a degradação da matéria primordial e, por conseguinte, seu caráter simultaneamente contraditório e corruptível, mas o fechamento do “olho do Coração” ou a perda da Revelação interior, portanto, da integridade do Intelecto. Daí também a perda do “estado de graça” e a corrupção da alma. A Revelação interior e permanente continua sempre presente, pois coincide com o nosso núcleo de imortalidade, mas está oculta sob uma camada de gelo, que necessita da intervenção das Revelações exteriores. Estas não podem ter a perfeição do que poderíamos chamar de “Religião inata” ou Philosophia perennis imanente. Por definição, o esoterismo explica essa situação; em geral, os heréticos e os filósofos profanos têm consciência disso à sua maneira, uma consciência fragmentária, evidentemente sem querer compreender que as religiões fornecem de fato as chaves indispensáveis para a Verdade pura e universal. Isso pode parecer paradoxal de nossa parte, mas cada mundo religioso não só renova o Paraíso perdido a seu modo como também traz em si, de uma forma ou de outra, os estigmas da queda, contra os quais apenas a verdade supraformal está indene. E essa Verdade interior, repetimos, é inacessível de facto sem a ajuda de suas manifestações exteriores, objetivas e proféticas.
A camada de gelo que isola a consciência individual da santidade imanente inunda não só o rio de luz que é a Intelecção como também, e por esse motivo, o rio de Amor ou de Bem-aventurança, igualmente inseparável de nossa substância imortal. Dependendo da natureza dos obstáculos, esse gelo deve ser quebrado com violência ou brandamente derretido. Ele é quebrado pelo Temor e derretido pelo Amor; mas também cede, e mesmo a fortiori, sob o efeito do Conhecimento, que dissipa a ilusão mediante a consciência aguda da natureza das coisas; portanto, pelo efeito da objetividade pura.
A perda da Revelação interior ou do olho do Coração indica que o Éden foi perdido após um pecado de exterioridade ou de exteriorização, como já observamos anteriormente, pois a perda da Interioridade e de sua Paz constitui prova de movimento ilegítimo para a exterioridade e de queda na paixão. Eva e Adão cederam à tentação da “curiosidade cósmica”, isto é, quiseram conhecer e experimentar as coisas do mundo exterior fora de Deus e independentemente da Luz interior. E em vez de se contentar com a visão simples, sintética e simbolista das coisas, mergulharam numa percepção ao mesmo tempo exploradora e concupiscente. Embrenharam-se, assim, num caminho sem fim e sem saída que, no entanto, é como o reflexo inverso da Infinidade interior. E o caminho do exílio, do sofrimento e da morte; todos os erros e todos os pecados nos fazem lembrar a primeira transgressão e conduzem a esse caminho incessantemente renovado. O pecado do espírito ou da vontade é sempre o reflexo do primeiro erro, ao passo que a Religião — ou a Sabedoria — é, pelo contrário, o reflexo do Paraíso perdido e o renova no próprio interior do mundo de dissonâncias que brota do fruto proibido.
Mas a passagem da inocência primordial para o “conhecimento do bem e do mal” e para a experiência das possibilidades centrífugas nem sempre é apresentada como primeiro pecado e queda. Com efeito, segundo diversas mitologias, o homem foi destinado a priori a esse pleno desenvolvimento de sua personalidade, que é a entrada no mundo da contingência oposicionista e movente. Era preciso que, em nome de Deus, fosse testemunha das vicissitudes da exterioridade cósmica.
Deste ponto de vista, explica-se e justifica-se a felix culpa de Santo Agostinho, não apenas pelo advento salvador do Cristo mas pela necessidade do desenvolvimento pleno do ser humano. Então, o Cristo e a Virgem — novo Adão e nova Eva — aparecem menos como uma compensação imprevista do que como a prova dessa necessidade paradoxal da possibilidade humana: dessa necessidade de cair para poder levar a consciência do Divino aos confins do que é humanamente possível.