O indivíduo humano tem uma grande preocupação, que predomina sobre todo o resto: salvar sua alma; para isso, deve aderir a uma religião e, para poder fazê-lo, deve acreditar nela. Mas como não se pode acreditar senão naquilo que, com a melhor vontade do mundo, é acreditável, conhecendo o homem duas ou várias religiões de modo suficiente e tendo, além disso, imaginação, pode sentir-se impedido de aderir a uma delas por apresentar-se dogmaticamente como a única legítima e a única salvadora. Que ela se apresente, então, com uma exigência absoluta, sem oferecer eventualmente em sua formulação característica esses elementos convincentes e tranquilizadores que pudemos encontrar em outras religiões e sem poder nos persuadir da não-valia desses elementos e dessas religiões. Deve-se admitir, sem a menor hesitação, que os Salmos ou o Evangelho são sublimes; mas acreditar que contêm em sua própria literalidade ou em seu clima psicológico tudo o que oferecem os Upanishads ou o Bhagavad-Gita, é uma questão bem diferente. Porém, o esoterismo sapiencial, total e universal — não-parcial e formalista — é o único que pode satisfazer qualquer necessidade legítima de causalidade, sendo seu âmbito o das intenções profundas e não o das expressões carregadas de preconceito. Somente ele pode responder a todas as perguntas que se fazem em consequência das divergências e limitações religiosas, o que significa que, nas condições objetivas e subjetivas que aqui temos em vista, ele constitui a única chave que permite abordar uma religião, deixando de lado toda questão de realização esotérica. Ao mesmo tempo, o esoterismo integral indicará o que é realmente fundamental em determinada religião do ponto de vista metafísico e místico — se quisermos, operativo ou alquímico — e, consequentemente, o que permite chegar à religio perennis.
Pela necessidade que têm as religiões de levarem em consideração as contingências psicológicas e sociais e pelo fato de se limitarem sob determinados pontos de vista, não por aquilo que elas incluem mas pelo que excluem e, no entanto, se apresentarem obrigatoriamente com exigência absoluta de adesão, elas não têm, por assim dizer, o direito de se fechar a qualquer argumento que vá além de sua perspectiva dogmática. Com efeito, a Providência que nelas opera, em virtude de sua origem divina, leva em conta a situação resultante de condições peculiares de nossa época,25 como sempre levava em conta de uma forma ou de outra, certas situações excepcionais.
As religiões apresentam o Princípio divino e a vida eterna sob vários ângulos de visão; mas lhes é impossível revelar o fenômeno religioso como tal e a natureza dos ângulos de visão, como faz o esoterismo. Seria absurdo pedir-lhes tal coisa, por dois motivos: primeiro, pela razão evidente de que, por definição, toda religião deve se apresentar como a única possível, sendo seu ponto de vista função da verdade e devendo, consequentemente, excluir qualquer perigo de relativismo. Segundo, porque em seu conteúdo intrínseco e essencial, que justamente transcende a relatividade da formulação ou do simbolismo, as religiões mantêm plenamente a promessa que implica o caráter total de sua exigência — plenamente, isto é, levando em conta o que a possibilidade mais profunda do homem pode exigir.
A negação coránica da Cruz significa a recusa da redenção histórica como condição sine qua non da salvação, visto que, para os cristãos, a Cruz só tem sentido por essa redenção histórica, única e exclusiva. No âmbito do Cristianismo, a ideia de que a redenção é a priori a obra intemporal do Logos dos princípios, não-humano e não-histórico; a ideia de que ela pode e deve se manifestar de diferentes maneiras em várias épocas e em diversos lugares; a de que o Cristo histórico manifesta esse Logos num determinado mundo providencial, sem que seja necessário ou possível delimitar esse mundo de maneira exata; essa ideia, dizemos, é esotérica em relação ao dogmatismo cristão e seria absurdo exigi-la da teologia.
Evidentemente, a ciência esotérica da relatividade das formas religiosas é de ordem mais contingente do que a doutrina fundamental de cada uma dessas formas, sem falar da sua essência, que coincide com o próprio princípio do esoterismo, como acabamos de dizer.