Schwarz (Egito) – Livro do Mortos

Entre os textos que os egípcios nos deixaram, sua literatura funerária se destaca como um fenômeno único em toda a antiguidade mediterrânea. O Egito nos deixou os mapas mais antigos da jornada da alma para a vida após a morte. Esses mapas nos apresentam uma verdadeira geografia sagrada da vida após a morte que acompanhava, primeiro o faraó, depois — no final do Reino Antigo — cada pessoa morta, para iniciá-la e protegê-la dos obstáculos encontrados durante o período de transição entre os dois destinos, terrestre e celestial.

Para os egípcios da era faraônica, a morte era um momento de ruptura, uma mudança no nível de existência associada ao desapego do corpo material, permitindo que o espírito se reincorporasse às realidades invisíveis. Para expressar o ato de morrer, ele usa a expressão “passar para o ka”. A morte é claramente indicada como um ato de passagem de uma dimensão para outra, do visível para o invisível, simbolizada pelas duas margens do Nilo, cujo curso sul-norte divide a terra do Egito na margem dos vivos (leste) e na margem dos mortos (oeste).

No pensamento egípcio, a morte estava sempre ligada à ideia de viagem: os mortos reproduziam o curso diurno do Sol, passando, como o Sol, de uma margem para a outra. O estado após a morte física é chamado de ankh, que significa “Vida”. Viver é, de fato, saber como viajar, “navegar” pelas águas da vida, sejam elas terrestres ou celestiais. A pessoa morta é frequentemente comparada a um piloto ou passageiro procurando seu barco, simbolizado pelo próprio sarcófago, cujo itinerário é imortalizado nas paredes da tumba, que servem de guia na jornada final.

A jornada do falecido para a vida após a morte tem origem em duas tradições: a religião dos primeiros faraós e sacerdotes e as crenças populares dos agricultores do Nilo. Durante séculos, essas duas tradições — a tradição celestial da integração cósmica e a tradição ctônica da religião da necrópole — coexistiram e se integraram uma à outra. No final do período da pirâmide, o modelo para o itinerário do falecido e o simbolismo essencial do culto aos mortos foram estabelecidos, ligando as duas grandes tradições, celestial e ctônica. Apesar da evolução da teologia funerária ao longo dos séculos, ela sempre manterá a memória dessa tradição dupla.

Sob a perspectiva da integração cósmica, a alma do falecido deve ser incorporada ao universo, tornar-se contemporânea das origens da Criação e adquirir qualidades demiúrgicas, ou seja, ser capaz de reviver todos os estágios da Criação. Na religião da necrópole, por outro lado, a sobrevivência da alma do falecido na vida após a morte está sujeita à existência de uma tumba e a um certo número de ritos funerários, destinados a prolongar a memória dos mortos e ajudá-los em sua jornada pelo mundo invisível.

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