Terei que voltar ainda, várias vezes, a essa “Casa-Forte da Onça Malhada”, importantíssima em nossa história, assim como à Capela de paredes recobertas por pinturas estranhas — Demônios esverdeados, Santos com mantos castanho-vermelhos que pareciam incêndios, dragões negro-vermelhos e brasões, coisas de que depois falarei melhor. Devo fazer, porém, agora, uma referência ao pé de Cajarana, que ficava junto à esquina da calçada de pedras da casa. Era uma árvore enorme, venerável, velhíssima, com tronco baixo e grosso, aqui e ali ocado pelos cupins, que erguiam suas casas cônicas, arredondadas e castanhas no tronco contorcido e nos galhos mais grossos que se espalhavam, alguns tocando o chão e parecendo, todos, gigantescas serpentes cinzentas, grossas e enrugadas. Todas as crianças das gerações de Garcia-Barrettos sertanejos iriam brincar debaixo dessa Cajarana, comendo seus frutinhos cheirosos, quando chegava a safra. Quando Dom José Sebastião, ainda solteiro e moço, chegara ali, no século XVIII, já encontrara a velha árvore, crescida entre as pedras e lajeiros daquele pedaço da Serra do Teixeira. Ali, ao lado da velha árvore ergueu ele a sua casa. Ali casou, ali envelheceu, ali morreu, sendo sepultado na Capela. A velha Cajarana viu passar anos e anos, uns de seca, outros de boa chuva. Os filhos de Dom José Sebastião nasceram, cresceram, casaram-se, envelheceram e morreram, sendo enterrados, todos, na mesma Capela da casa-forte, onde tinham se batizado e casado. Por fim, a árvore, a casa e a capela, ligadas pela passagem de todas aquelas vidas, terminaram formando um todo indivisível, um ser único, um “Ente”, como se diz, no Sertão, dos seres malfazejos e aparições; uma “Entidade” que assistia o decorrer dos ódios, crimes, amores, paixões e sofrimentos daquela facção particular do rebanho humano, isolada aqui, em nossa Serra sertaneja, mas igual a qualquer outra de qualquer pedaço do mundo, pois “todos acordavam aqui arremessados, neste nosso chapadão pedregoso, sem terem sido consultados se queriam vir ou não”, como costumava dizer o Professor Clemente em seus momentos mais agudos de Filosofia. “Todos eram condenados à morte e saíam deste mundo sem saber para que tinham sido chamados ou que sentido tinha esse jogo estranho — ensolarado, sinistro, enigmático mas belo, apesar de perigoso e meio insano.” [Crônica dos Garcia-Barrettos]
Suassuna (RPR) – vida é um jogo estranho
TERMOS CHAVES: jogo