Sohravardi — Arcanjo Empurpurado — SUSSURRO DAS ASAS DE GABRIEL (Henry Corbin: Tradução do persa)
Tanto o título quanto o início do relato dão a essa obra o lugar que ocupa aqui. A história de “Sussurros das asas de Gabriel” é, de certa forma, o segundo ato do “encontro com o anjo”. Como o relato anterior, constitui uma iniciação dada pelo Anjo: uma revelação dos mundos superiores e do itinerário espiritual a ser seguido para se tornar presente nesses mundos. É por isso que, neste relato, assim como no anterior, o “encontro com o anjo” ocorre logo no início. No “Relato do Exílio Ocidental” que se segue, o encontro com o Anjo ocorre no final do relato, como o final do “terceiro ato”. Como no relato anterior, a figura central do relato é o Anjo–Espírito Santo, que é o Anjo da raça humana (o Anthropos celestial), aquele a quem os filósofos se referem como a Inteligência Agente. Os tratados anteriores já mostraram a importância desta figura tanto para a filosofia quanto para a doutrina espiritual de Sohravardi. O “Livro das Horas” (Tratado XV) enfatizará ainda mais essa importância.
É claro que o papel deste Anjo–Espírito Santo, o “Arcanjo empurpurado”, é melhor compreendido no centro de uma cultura espiritual em que aparece tanto como o Anjo inspirador dos profetas quanto como o iluminador dos filósofos. Ele é para os Ishraqiyun o que o Imâm é para os xiitas gnósticos. Daí as frequentes referências à cristologia. É por meio dele que os filósofos são conduzidos ao fim da sabedoria divina integral, essa teo-sophia que Sohravardi concebe como a combinação, em seu ápice, de um conhecimento filosófico perfeito e uma experiência mística real. Há toda uma área de pesquisa angelológica a ser perseguida, referente à pessoa e ao papel do Anjo Gabriel na profetologia e na filosofia. De acordo com o hadith, há razões para falar de uma vida de intimidade entre o profeta do Islã e o Anjo da revelação. Os modos de aparição do Anjo, o “estilo” de suas angelofanias, devem ser objeto de uma descrição fenomenológica tão completa quanto possível, com relação às “intencionalidades” com as quais esses modos de aparição estão correlacionados.
Como sabemos, o Anjo apareceu com mais frequência ao profeta do Islã na forma do belo adolescente árabe Dahyâ al-Kalbî, é claro, sem que os companheiros do profeta fossem avisados da aparição. Em Sohravardi, o estilo das epifanias do anjo é extremamente sóbrio, até mesmo austero. Nos três atos do “encontro com o Anjo”, o Anjo aparece sob o disfarce de um Sábio de eterna juventude, cujos cabelos brancos apenas anunciam que ele pertence ao mundo da Luz. Nada mais é mencionado. A sobriedade das características da aparição contrasta com a emoção das descrições visionárias no Diarium spirituale de Rûzbehân Baqlî de Shîrâz (606/1209). Aqui também, o Anjo Gabriel desempenha um papel proeminente. Sua aparência entre os outros anjos se destaca em cores magníficas: “Na primeira fila da assembleia deles, vi Gabriel, como uma noiva, como a Lua entre as estrelas; seu cabelo era como o das mulheres, arrumado em tranças, muito longo. Ele usava um manto vermelho com bordados verdes”. Ou ainda: “Entre eles estava Gabriel, o mais belo dos anjos. As tranças de seus cabelos eram como as das mulheres. Seus rostos eram como rosas vermelhas”. (Aqui podemos pensar no “Arcanjo empurpurado” de Sohravardi). “E eu vi Gabriel com uma graça e beleza que não consigo descrever”. Em outro lugar ainda, Rûzbehân fala da “asa que é a alma” de Gabriel (cf. infra n. 81).
Como o anterior, o presente relato é tanto um relato visionário quanto um relato de iniciação, no sentido de que a figura sobrenatural da aparição assume, de uma ponta a outra, o papel de iniciador em uma doutrina. Mencionamos anteriormente a ideia de um ritual de iniciação. Após o prólogo, no qual o autor nos lembra das circunstâncias que o levaram a escrever esse relato, ele se volta para os temas que compõem o “discurso de iniciação” do Sábio.