Torre de Babel

BÍBLIA DAS ORIGENS — TORRE DE BABEL

BÍBLIA: Gen 11:1-9


Jean Canteins: MISTÉRIOS CRÍSTICOS
O capítulo XI da Gênesis situa o relato da torre de Babel em uma época onde a humanidade tinha uma só língua. Os homens de então decidiram de comum acordo construir uma (cidade e/ou uma) alta torre levantada ao céu. Este empreendimento desagradou YHWH para quem foi suficiente, para pôr em cheque a empreitada humana, provocar a confusão das línguas; desde então os homens cessaram de se compreender e não puderam mais trabalhar juntos. A construção teve que ser abandonada. Cidade e torre receberam o nome de Babel (BBL) em alusão à “confusão” (em hebreu balal, BLL, seja um nome foneticamente muito próximo mas sem relação aparente com BBL) das línguas … e à “diáspora” que se seguiu.

O episódio da Torre de Babel é perturbador e fez objeto de interpretações contraditórias. A mais clássica é que os homens pecaram por orgulho querendo construir uma torre até o Céu e Deus, ofendido, os puniu desandando seu projeto e os dividindo. Esta versão é conforme a letra do Gênesis XI, 1-9. No entanto, se se considera que a torre de Babel nada mais é que um ziggurat, um destes templos piramidais de proporções gigantescas que a devoção babilônica construiu para Deus acima da baixa planície mesopotâmica, apreende-se melhor a significação profunda do episódio.

Pode-se afirmar, segundo André Parrot, que a “ziggurat” é o protótipo da torre de Babel, que uma e outra tinham por objetivo atrair a divindade aqui em baixo e lhe facilitar a aproximação por um templo em terraço elevado muito alto em sua direção. Via de acesso vertical po onde a divindade pode “descer” (e a humanidade, eventualmente, “subir”), a torre é chamada a justo título Bab-El, “porta de Deus”, em eco às expressões “casa de Deus” e “porta dos Céus” empregados pelo Gênesis XXVIII,17 a respeito da Escada de Jacó. Porque, nestas condições, suscitou ela a cólera divina? Pode-se alegar, notadamente, a inimizade profunda ente Israel e Babilônia. Se a “coisa” babilônica foi detestada pelos Hebreus, como não execrar isto que dela constituía a mais patente e característica representação, estes ziggurats desmesurados apontados para o Céu, aí e acolá, como tantos desafios à pequenez e a efemeridade humanas? Neste caso, poderia ter sido expediente, quando da redação do Livro de Moisés, de responder a desmesura subre-humana do culto babilônico, a sua pretensão a uma perenidade que não é deste mundo, por uma condenação divina de uma forma original, aquela da confusão das línguas. Visto desta forma, o episódio do Gênesis XI faria o amalgama de suas obsessões judaicas: a esmagadora superioridade dos ziggurats de Babilônia, orgulho do inimigo secular, comparada às modestas proporções do Templo, e a multiplicidade das línguas, desagrado vivo da pretensão do hebreu ao estatuto de Língua primordial (Philon, De confusione linguarum). Como quer que seja desta explicação “historicista” — que não poderia tudo resolver — pode-se destacar entre os dois episódios milagrosos certa simetria (Canteins refere-se ao episódio do Falar em Línguas).

No episódio da torre de Babel os homens vivem, repitamos, em um certo estado edênico posto que falam uma só língua e “se entendem” (em todos os sentidos do termos) para construir juntos um lugar se estada e de culto à divindade. Esta construção é uma manifestação de “unanimidade” e de “elevação”. Se a torre se materializa a convergência do desejo de ascensão dos homens para o Altíssimo, ela disto materializa também a condição “sine qua non”: a unidade de língua. É a este estado ideal que YHWH teria vindo pôr fim. O humor dos hebreus a respeito dos babilônios teria feito de YHWH um Deus ciumento? Longe de ser honrado por este imenso elã de transcendência, YHWH teria temido que o homem se superasse ainda mais e concorresse com sua obra. Ainda que tais expectativas pareçam falaciosas, YHWH as retém para condenar os homens à confusão das línguas. Como isto se passou? Os homens poderiam, a um momento dado, não mais saber conversar com seu companheiro de trabalho, sua esposa ou seu parente? É improvável. A mudança deve ter se dado em várias gerações. Pode-se supôr que a ideia e a obra de elevação para Deus extinguiu-se a princípio insensivelmente em seguida desacelerou — mais e mais envolvida em incidentes provocados pela incompreensão, os desentendimentos, as falhas de transmissão — e que o desencorajamento e a obstrução ganharam progressivamente os corações e os espíritos. Finalmente, a construção da torre teve que se interromper, os homens tornados como surdos a seu próximo mais e mais se endureceram e, os antagonismos se exacerbaram, não tendo outro recurso senão se separar.

Pierre Gordon: IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE
Aí onde não existia altura natural, construía-se, desde a mais alta antiguidade, colinas artificiais (os cairns celtas por exemplo, os tumuli, os mounds, etc). Na antiga Caldeia, país plano, não há dúvidas que a zigurat se tenha proposto como cópia da montanha-templo: ela se denominava então a «montanha de Deus», a «colina do céu». O termo zigurat (siqurat) tem por raiz saqaru, zaqaru (= ser alto, proeminente) e se encontra o mesmo vocábulo no egípcio Saqqara. Não há influência entre Caldeia e Egito Antigo, posto que o plano e forma das construções diferem muito nos dois casos. O que houve foi uma ideia primeira comum, uma ideia-fonte idêntica: a concepção da Montanha Sagrada.


Cabala Cristã
Annick de Souzenelle: TORRE DE BABEL


Maurice Nicoll: TORRE DE BABEL

Perenialistas – Referências