A guerra, enquanto dirigida contra aqueles que perturbam a ordem e com o objetivo de reconduzi-los a essa ordem, constitui uma função legítima, que no fundo é um dos aspectos da função de “justiça”, entendida esta em sua acepção mais geral. No entanto, esse é o seu lado mais exterior, portanto o menos essencial. Do ponto de vista tradicional, o que dá todo valor à guerra compreendida dessa forma, é o fato de ela simbolizar a luta que o homem deve conduzir contra os inimigos que traz em si próprio, isto é, contra todos os elementos que, nele, são contrários à ordem e à unidade. Nos dois casos, porém, quer se trate da ordem exterior e social ou da ordem superior e espiritual, a guerra deve sempre tender a estabelecer o equilíbrio e a harmonia (é por isso que ela se refere de modo especial à “justiça”) e, assim, a unificar de certo modo a multiplicidade de elementos em oposição entre si. Isso quer dizer que o seu fim normal, e sem dúvida sua única razão de ser, é a paz (es-salam), que só pode ser verdadeiramente obtida pela submissão à vontade divina (el-islam), colocando cada elemento em seu lugar com a finalidade de fazê-los todos concorrerem para a realização consciente de um mesmo plano. E vale a pena observar o quanto, na língua árabe, os termos el-islam e es-salam têm estreito parentesco entre si. (Guénon)