memória coletiva

O povo conserva, sem compreendê-los, os resquícios de tradições antigas, que remontam algumas vezes a um passado tão longínquo, que seria impossível determiná-lo e que muitos se contentam em atribuir, por essa razão, ao obscuro domínio da “pré-história”. O povo preenche, aí, a função de uma espécie de memória coletiva mais ou menos “subconsciente”, cujo conteúdo veio evidentemente de outra parte. E o que mais pode parecer surpreendente é que, quando se vai ao fundo das coisas, constata-se que aquilo que foi assim conservado contém, sobretudo sob uma forma mais ou menos velada, uma soma considerável de dados de ordem esotérica, ou seja, precisamente tudo o que existe de menos popular por essência.

Tal fato sugere por si mesmo uma explicação que nos limitaremos a indicar em poucas palavras. Quando uma forma tradicional está a ponto de extinguir-se, seus últimos representantes podem muito bem confiar voluntariamente à memória coletiva, à qual acabamos de nos referir, tudo aquilo que de outro modo se perderia para sempre. Trata-se, em suma, do único meio de salvar o que for possível em certa medida. Ao mesmo tempo, a incompreensão natural da massa é uma garantia suficiente para aquele que possuir um caráter esotérico não ser por isso despojado e permanecer apenas como uma espécie de testemunho do passado àqueles que, em outros tempos, forem capazes de compreendê-lo. (Guénon)

Lendas, René Guénon