Moby Dick

Herman Melville — MOBY DICK
Marianne Resting — O HORROR DO VAZIO: A metáfora do branco em Poe, Melville e Mallarmé
In: Romantisme, 1972, n°4. «Voyager doit être un travail sérieux.». pp. 20-36.
Contribuição e tradução de Antonio Carneiro pp. 22-23

Acab é o rei Acab do Antigo Testamento que, seduzido por falsos profetas, é aniquilado, apesar de sua glória, pelo Deus de Israel. Acab é um rei Lear que desafia a tempestade e não segue senão sua paixão. Acab é o anjo caído, o Satanás prometeuniano do Paraíso Perdido de Milton, de essência divina ; é também um Adão « titubeante sob o peso dos séculos acumulados após o Paraíso ». Enfim, Acab é um « rei, ditador supremo e mestre » que coloca « um olhar intrépido e fixo sobre o infinito. « Verdadeiro possesso, se esforça em penetrar o terror secreto de Deus, seu enigma.

Acab batiza o arpão que deve matar Moby Dick com uma velha fórmula mágica: « Ego non baptiso te in nomine Patris, sed in nomine Diaboli. » (“Eu te batizo não em nome do Pai, mas sim em nome do Diabo” Capítulo 113)

Sobre seu exemplar de William Shakespeare, Melville transcreveu a lápis a fórmula completa (ele a apresenterá à Hawthorne como a secreta epígrafe de sua obra) :

« Ego non baptiso te in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti — sed in nomine Diaboli » « — madness is undefinable — It & right reason extremes of one — not the (black art) Goetic but Theurgic magic — seeks converse with the Intelligence, Power, the Angel » (ver Charles Olson, « Call Me Ishmael », Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997, reprint.)

Isto significa que o capitão Acab — como Melville — não se refere à tradição da magia negra medieval, mas à magia pré-cristã e gnóstica, dita branca, e à sua busca do divino (ver em Clarel, onde Melville comenta sua concordância com a Gnose e sua concepção do mal).

Assim chegamos à interpretação da « baleia branca ». Nos capítulos 40 e 41 do livro de Jó, que Melville cita igualmente, Deus se compara ele-próprio ao poder ao orgulho do Leviatã. Esse Leviatã, a enorme serpente do mar a qual Moby Dick é sem cessar assimilada, possui um grande número de significações no Antigo Testamento, caro à Melville, e na tradição gnóstica, à qual remete a fórmula do romancista. Simbolisa de início o périplo do Universo que parte de Deus e retorna à Ele, como a serpente que morde sua própria cauda. (ver Ouroboros ) Segundo a doutrina de uma seita gnóstica particular — os Ofitas, « adoradores da serpente » — oceano encerra o Universo terrestre à maneira de uma gigantesca serpente. Oceano e serpente, mar e Leviatã se confundem aqui, sobre o plano simbólico. Segundo os mitos egípcios e babilônicos, Schachan, criador da vida, torna-se, por uma simples interversão das letras, a serpente satânica do Paraíso, Nahash. Essas significações múltiplas e situadas sobre diversos planos se encontram na baleia branca, símbolo da transcendência não conhecível. Moby Dick utilisa, volta a volta, a força e a artimanha, ela é perversa, ela é boa, — jogo indômito da natureza; ela simbolisa a força e as armadilhas do mar em oposição à segurança civilizada da terra firme, onde o homem se sente protegido.

Após quarante anos, diz Acab em sua longa conversação com Starbuck, (eu) abandonei a terra mansa para levar a guerra contra os horrores dos abismos marinhos […] Ó lassidão ! Ó fardo ! Negra escravidão de um comando solitário !…

Para Acab, Moby Dick é muito mais que « o horror dos abismos ». Explica-o ao timoneiro Starbuck :

« Homem, todas as coisas visíveis não são senão máscaras de papel-machê. Mas em cada acontecimento… em um ato vivo, o fato indubitável… alguma coisa de desconhecido, mas, dotado de razão leva, sob a máscara desprovida de razão, a forma de um rosto. Se o homem bate, bate através dessa máscara! Como o prisioneiro poderia se evadir sem atravessar a muralha? A baleia branca é esta muralha levantada diante mim. Às vezes creio que nada há por detrás dela. Mas é suficiente. Ela me põe à prova, ela me arrasa. Vejo nela uma força revoltante, nutrida de vigorosa malignidade. E é o que escapa à minha compreensão que eu odeio acima de tudo. Que a baleia branca seja um agente ou que seja um princípio, eu saciaria nela meu ódio. Não me fale de blasfêmia, homem, eu bateria no sol se ele me insultasse. Pois se o sol pudesse fazê-lo, eu poderia também reagir […] Quem está acima de mim? A verdade é infinita. »

A baleia branca, que perseguia Acab entorno do globo inteiro, é « a sombra do Desconhecido », sua máscara, a muralha que o separe da « força desconhecida » escondida atrás dos objetos visíveis.

Este Desconhecido, este Invisível contém um horror repentino concretizado sobre a fronte «enrugada, de um branco cor de neve » de Moby Dick. Este terror ao desconhecido se manifesta pela cor branca.


Excertos e estudos:
*UM MANUSCRITO DE MOBY DICK

Moby Dick