Do mesmo modo, o aspecto intelectual do discernimento das três características da Existência — Impermanência (anicca), Sofrimento (dukkha) e Não-eu (anatta) — une inextricavelmente o Intelecto à Intuição (primeiro e sétimo passos do Caminho Óctuplo), na visão de “o que é”, como tal (entendimento correto, samma-ditthi; plena ideação consciente, samma-sati), introvisão, insight direto: numa palavra, vipassana. Trata-se da primeira “qualidade” superior da atenção (manas) e precede, como condição sine qua non, a absorção não-egóica (appana, ou jhana: experiência pura, sem experienciador). Vipassana é atenção nua, sem revestir-se de pensamento (manovijnana).
Estamos diante do que considero fidelidade ao Ser (“amizade fiel”) , ou seja, uma atividade — que, no Ocidente, prefere-se chamar de “exercício espiritual”, ou “contemplação”, ao invés de Filosofia, como seria mais próprio. A Filosofia aparece, no budismo, como vimamsa, investigação. O arcano em que essa atividade se exerce (em retiro, sesshin; em Zazen, o nome japonês para vipassana, ou Atenção; em contemplação de questões paradoxais, ou koans) chama-se “o que é “. Não se trata de uma mudança no conteúdo da mente, mas, como observou o etólogo inglês John Crook, apoiando-se em Govinda, uma alteração na relação entre o ego mental discernente e o mundo-como-experienciado, ou seja, digo eu, uma alteração na intencionalidade enquanto “forma de inconsciência”, pela qual o próprio ego passa a ser um órgão dentre outros, integrado à Consciência. É neste sentido que o estado desperto não é outro, senão o estado mesmo em que nos encontramos agora. Isto só pode ocorrer como se fosse absolutamente independente das nossas intenções; só pode parecer algo banal, “que já chega tarde”, como se sempre o conhecêssemos; só pode aparecer, ao mesmo tempo, como óbvio e como revelação; e só pode estar, para a nossa vigília normal, como o nosso acordar de manhã está para o nosso sonho noturno.