Boaventura, São (1221-1274)
Nasceu em Bagnoregio (Viterbo), recebendo no Batismo o nome de Juan de Fidanza. A lenda vincula o nome de Boaventura a São Francisco de Assis, que o curou de uma doença quando era criança. Sua mãe, agradecida, fez votos de consagrá-lo à ordem franciscana, na qual ficou conhecido como Frei Boaventura.
Ingressou na ordem franciscana aos 17 anos. Fez seus estudos em Paris com o mestre Alexandre de Hales. Bacharel em 1248, começou a expor a Escritura e as Sentenças de Pedro Lombardo, e o fez até 1251. Em 1253 obteve a “licentia docendi”. Sua carreira viu-se alterada pelas lutas de clérigos seculares e canônicos que se opunham à presença das ordens mendicantes nas universidades. Em 1255 foi excluído do ensino na universidade parisiense. Em 1256 voltou às tarefas da universidade, sendo oficialmente nomeado mestre junto com seu amigo Santo Tomás de Aquino.
Sem deixar totalmente as tarefas docentes, em 1257 passou a desempenhar o cargo de guardião geral dos franciscanos. Terminou seus dias como arcebispo de Albano e cardeal da Igreja. Morreu durante o Segundo Concílio de Lyon em 1247. Foi canonizado em 1482 e declarado doutor da Igreja em 1587, com o título de “Doctor Seraphicus”.
Não cabem numa simples resenha a vida, a obra e a doutrina de São Boaventura. Sua figura é chave para compreender a vida incipiente dos mendicantes na Universidade de Paris e, posteriormente, nas universidades medievais como Oxford. É representante da corrente culta do franciscanismo e superior geral que soube canalizar as diversas tendências e movimentos dentro deste, em direção ao ideal comum franciscano de seguimento de Cristo na humildade e na pobreza.
Mas o aspecto principal, do qual nos ocupamos aqui, é seu pensamento e doutrina como filósofo, teólogo e mestre espiritual. Diz-se, com razão, que em São Boaventura, “filosofia, teologia e mística encontram-se sistematicamente fundidas, mas não confundidas”. Talvez possa-se dizer que é o “filósofo cristão por excelência”, para quem a filosofia é “naturaliter Christiana”, como também o é a alma da qual brota, assim como a verdade integral quando indaga sobre as últimas causas” (L. Veuthey). Essa filosofia “naturaliter Christiana” encontra sua raiz mais profunda em Santo Agostinho. “Não em vão — diz E. Gilson — a doutrina de São Boaventura tem sido designada com o nome de agostinismo” (Historia da filosofia na Idade Média, 240).
Sobre o aristotelismo que começa a surgir triunfante em Santo Alberto Magno e em Santo Tomás de Aquino, São Boaventura nos diz: “Não tento combater as novas opiniões, mas quero reter as comuns e aceitas. E ninguém queira crer que quero ser o criador de um novo sistema”. Somente deseja percorrer os caminhos traçados, voltar a tecer a trama ininterrupta do pensamento cristão, que vai de Santo Agostinho até seu mestre Alexandre. Resumindo: para São Boaventura, Aristóteles é um filósofo, não “o filósofo”. Com isso abre a corrente de pensamento franciscano vinculada a Santo Agostinho, Platão e ao neoplatonismo.
A obra escrita de São Boaventura está contida nos 10 volumes da edição crítica dos franciscanos de Quaracchi (1883-1902). Nela se destaca sua obra teológica fundamental: Commentarii in Quattuor Libros Sententiarum Petri Lombardi, escrita durante seus anos de docência em Paris (1248-1255). Sua obra mística principal é o Itinerarium mentis in Deum, escrita no outono de 1259. Outras obras importantes são: De scientia Christi; Quaestiones disputatae; Breviloquium ou brevíssima summa teológica. De reductione artium ad theologiam apresenta a teologia como fim e coroamento de todas as ciências.
A doutrina de São Boaventura distingue-se por um estilo e espírito próprios e por um fim muito definido. Esse fim é o amor de Deus, meta última inevitável do homem. Os caminhos que nos conduzem a ele são os da teologia e da filosofia. “Deus é o único em quem se encontra a última resposta, inclusive para as questões filosóficas. A filosofia termina, pois, na teologia, e o impulso da razão, unido ao impulso do amor, em vez de ficar em áridos conceitos abstratos, transforma-se em oração, isto é, no “elevatio mentis in Deum” e na mística, ou seja, na vida de união com Deus” (L. Veuthey).
A filosofia e a teologia se São Boaventura culminam na sabedoria mística. “Toda a nossa vida não é mais do que uma peregrinação até Deus. O caminho que seguimos — se estamos na boa via — é a via iluminativa. A finalidade nos é dada pela fé; alcançamo-la e nos unimos a ela através do amor”.
Três etapas principais marcarão os momentos desta ascensão. A primeira consiste em encontrar os vestígios de Deus no mundo sensível. A segunda, em buscar sua imagem em nossa alma. A terceira ultrapassa as coisas criadas e nos introduz nos gozos místicos do conhecimento e da adoração de Deus. Tudo indica um finalismo que nos leva ao conhecimento sapiencial, intuitivo e profundo das coisas e de nós mesmos em Deus.
BIBLIOGRAFIA: Obras: (BAC). Madrid, 6 vols.; Opera omnia. Edição crítica chamada “edição de Quaracchi”, 10 vols., 1882-1902. E. Gilson, La philosophie de Saint Bonaventure, 1924. (Santidrián)