Shayegan (DSHC) – Imaginal e ciência dos espelhos

O mundo do Imaginal envolve, como dissemos, uma ciência dos espelhos, uma transparência que Corbin traduz como o “fenômeno do espelho”. A substância material do espelho, metal ou mineral”, diz ele, “não é a substância da imagem, uma substância da qual a imagem é um acidente. É simplesmente o ‘lugar de sua aparição’ (…). A imaginação ativa é o espelho por excelência, o lugar epifânico das imagens do mundo dos arquétipos; é por isso que a teoria do mundus imaginalis é inseparável de uma teoria do conhecimento imaginativo e da função imaginativa”. Uma “imagem em suspenso” não é nem material nem puramente espiritual; é algo intermediário. Por um lado, ela tem uma forma imaterial e, por outro, o espírito aparece nela em uma forma própria. E isso é o que, por exemplo, a ideia de Iltibâs (anfibolia) trouxe à vida em um Rûzbehân de Shîrâz (cf. infra, Livro V, cap. III, 3). Para o sensível, o visível tem, portanto, um duplo significado (anfibolia); ele é e não é ao mesmo tempo. Toda teofania é um espelho que, ao mesmo tempo em que revela o ser, esconde a dimensão oculta, assim como o espelho, mostrando a imagem nele manifestada, aponta para o que permanece velado além da imagem. A anfibolia pressupõe, portanto, uma transfiguração que torna possível a junção desse duplo significado: é o que leva da dualidade do vidente e do visto à união teofânica, onde eles invertem seus papéis, por assim dizer: o Amante agora percebe todas as coisas com o olhar transfigurador do Amado. Graças ao fenômeno do espelho, ele agora percebe a face humana transfigurada no nível da Face divina, e é com o olhar da Amada que ele redescobre a face humana, de modo que o Amante, a Amada e o vínculo que os une se tornam homocromáticos (hamrang). Mas esse fenômeno não poderia ter ocorrido se a própria visão não tivesse permanecido a uma distância igual de uma dupla armadilha, que é ta’tîl (a redução do todo ao absoluto incondicionado) e tashbîh (a redução do todo à multiplicidade). Em outras palavras, ao salvar o “fenômeno”, salvamos o valor noético da Imagem, ou seja, o Ícone, protegendo-o da idolatria. É também essa “ciência do olhar” (‘ilm-e nazar) centrada na visão teofânica da imagem metafísica que faz de um poeta como Hâfez um “jogador do olhar” (nazar-bâz). Pois o “jogador do olhar” não vê o mundo como um objeto, nem como algo representado, colocado ali na nossa frente, mas como um conjunto de imagens refletidas nos espelhos encantadores do universo, sendo e não sendo ao mesmo tempo. O olhar visionário do poeta é um jogo cuja aposta é o jogo pelo qual a Divindade olha para o mundo, e Hâfez conclui:

“Se a face divina se torna a epifania de nosso olhar, não há dúvida de que agora você é o possuidor do olhar.”

Daryush Shayegan, Henry Corbin (1903-1978)