De acordo com a tradição preservada no Denkart, um livro Pahlavi do século IX, três noites antes do nascimento de Zoroastro, sua mãe irradiava luz tão intensa que iluminava toda a aldeia. Pensando que essa luz se devia a um incêndio, muitos habitantes apressadamente fugiram. Quando voltaram, encontraram um recém-nascido resplandescente. Também por ocasião de nascimento de Frin, mãe de Zaratustra, a casa parecia estar em fogo. Seus pais viram-na envolta numa grande luz. Aos quinze anos, seus movimentos eram sempre marcados pela luz. O texto explica que sua grande luminosidade era devida ao xvarenah presente em seu corpo.
A mãe do salvador recebe do alto a luz incandescente que irá fluir para o corpo de Zaratustra e o santificar. Sabe-se que, quando essas lendas foram escritas, a biografia do profeta-salvador estava já quase completamente transformada pelo mito. Assim, dizia-se que Zaratustra nascera do haoma, o líquido divino análogo ao soma védico e, conforme veremos, o haoma estava “cheio de xvarenah”. Em última análise, representava-se o xvarenah como um fluido sagrado, seminal, luminoso e incandescente. Embora expressa de maneira sistemática somente em tratados posteriores, esssa concepção é, sem dúvida, mais antiga. De acordo com os textos gáticos e avésticos, o xvarenah é a marca visível dos seres divinos. No Yast dedicado a Mithra, afirma-se que da fronte do deus “parte a chama que e o poderoso xvarenah real”. Um outro Yast (XIX 10) explica que Ahura Mazdah possui xvarenah a fim de “criar todas as criaturas”, ou, conforme o Den/cart, para proteger sua Criação. Lmbora específica e insistentemente relacionado aos reis, o xvarenah não se restringe exclusivamente a eles. Cada ser humano tem o seu próprio xvarenah; e, por ocasião da renovação final, escatológica (frasa), essa luz sobrenatural será adorno de todos os homens. “A grande luz, parecendo nascer do corpo, brilhará continuadamente sobre a terra… e (essa luz) será como uma veste, resplandescente, imortal, imutável.”
Não há acordo entre os textos quanto à origem e destino final do xvarenah. Todos eles, contudo, concordam com sua natureza sobrenatural. Ohrmazd produz xvarenah com as luzes do infinito e o conserva no fogo e na água. O livro pahlavi Zatspram (35.82) afirma que “a sede própria do xvarenah é o fogo, Varhran”, o fogo real por excelência. Contudo, um texto muito mais antigo (Yast, VI.1 ss) diz que “quando o Sol emite raios, os deuses distribuem xvarenah”; essa observação é importante porque mostra a origem solar do fluido sagrado. Com efeito, uma origem etimológica proposta um século antes, relacionava o termo xvarenah com hvar, “sol”, e, daí, com o sânscrito svar. Paradoxalmente, contudo, alguns textos afirmam que o xvarenah se localiza nos oceanos e especialmente no mar Vouru-Kasa (ver, por exemplo, Yast VIII). Diz-se que a deusa Anahita tem uma grande quantidade de xvarenah e que seu rio traz esse fluido iridescente desde o topo do monte Hukairya ate o mar Vouru-Kasa. Além disso, os textos Pahlavi dão por sede do haoma branco os oceanos e o identificam com Gokam, a árvore da vida, situada no meio de Vouru-Kasa. Mas o haoma branco está “cheio de xvarenah” e é, ao mesmo tempo, um recipiente dele. O aparente paradoxo de uma substância incandescente se localizar na água não apresenta nenhuma dificuldade, se nos lembrarmos de que as águas simbolizam as possibilidades infinitas da vida e da fertilidade e também a origem da “imortalidade”. Encontramos uma situação semelhante na cosmologia védica: descreve-se Agni como existente nas águas; e o Somo, embora de origem divina, é a essência da vida ( a “semente”, por excelência), aquele que concede a imortalidade. O sêmen humano e animal é, consequentemente, “incandescente” e “liquido”. Os textos Pahlavi confirmam a relação estrutural entre “xvarenah” e “semente”. O Grande Budahisn I.41 afirma que o sêmen humano e o do animal são feitos de fogo, enquanto todo o resto da criação foi produzidos partir de uma gota de água.
Gnoli chega à seguinte conclusão: “O sêmen não é simplesmente equivalente à luz; o fluido seminal não é o princípio luminoso, o esplendor radiante; mas é a substância que contém esse princípio, e é, também, o veículo dele. Toda a luminosidade própria do princípio seminal deriva da natureza “criadora” do xvarenah. Com efeito, ele é, não apenas “sagrado” (divino, sobrenatural), “poderoso” (ele é o elemento que “gera” reis e heróis), “espiritual” (ele determina a inteligência, concede a sabedoria) e “solar” (donde, “incandescente” e “iridescente”); porém é também criador. A luz é, naturalmente, por seu próprio modo de ser, cosmogônica. Nada pode “realmente” existir antes do aparecimento dela. [Eliade]