Gnoli (RGET:28-30) – “Isso”

“A natureza da ideia ‘isso’”, diz Abhinavagupta, “não consiste nem na consciência de um estado completamente livre de todas as limitações do tempo, nem na experiência de um estado completamente diferenciado. Pois essa ideia surge quando uma coisa, depois de ter se manifestado como uma coisa em seu próprio direito, em união com um determinado espaço, um determinado tempo e um determinado sujeito conhecedor que não é mais o que é agora, no tempo da percepção direta, em vez de se dissolver depois, permanece coberta como se fosse por um manto de escuridão, em um estado, como dizem, de impressão latente: e se remove esse manto que a cobriu, de modo que ela brilha como antes, como, isto é, se ainda estivesse em seu próprio direito, externa ao sujeito. Mas — podem nos objetar — por que não brilha então, na forma de ‘isto’, como antes? Mas isso é impossível, respondemos! Pois essa luz brilha em associação com o corpo, etc., que o sujeito tinha durante a manifestação na época, sem que isso implique, entende-se, em uma eliminação da consciência do tempo (conectada com) a manifestação atual. A consciência de um tempo passado é, em outras palavras, indivisível daquela do tempo presente, que forma aqui, por assim dizer, o seu suporte. A experiência ‘isso’ é, portanto, corretamente dita como sendo composta de duas consciências opostas, a de antes e a de agora.”1

A luz, então, insiste no tempo passado e o pensamento no presente: aquele está, por assim dizer, todo voltado para a objetividade e este todo introvertido. Nesse ponto, entretanto, surge uma séria objeção. Se, de fato, a luz e o pensamento estão associados a dois tempos diferentes e pertencem um ao passado e o outro ao presente, eles não seriam nada mais do que nada, já que são, como foi dito, constituídos um do outro. Uma observação muito correta”, responde Abhinavagupta, “mas que não leva em conta uma coisa, a saber, o fato de que esses dois momentos na memória concreta e, por extensão, em todas as nossas representações são sentidos como uma unidade. Essa unidade é o próprio sujeito, o eu, que se realiza como eu precisamente nessa dicotomia — uma dicotomia real porque representa seu próprio corpo — de sujeito e objeto, de presente e passado. O garantidor de toda a nossa experiência, bem como da memória, é, em outras palavras, a própria liberdade do eu, que se expressa na unificação do que é diferenciado e na diferenciação da unidade. A luz e o pensamento são, em suma, duas faces diferentes da mesma realidade e, assim como o pensamento contém um elemento perceptivo, sem o qual não seria nada além de um nome sem sentido, a luz é sempre, embora às vezes discretamente, refletida, e essa reflexão é precisamente o que lhe dá vida e a distingue da inércia da matéria. A luz e o pensamento, ou seja, a consciência, o eu que, nesses dois aspectos diante de nós, se fenomenaliza, abrange toda a realidade. As coisas que vemos ao nosso redor e, com elas, nossos próprios movimentos internos são, dizem os xivaítas, nada além de imagens, manifestações livres da força do eu, que se expressa e se afirma por meio delas.


  1. LV, i, iv, pp. 118-119 

Raniero Gnoli