Ibn Arabi (SP) – Da sabedoria da inspiração divina no verbo de Seth §10

Ora, este conhecimento só é dado ao Selo dos enviados de Deus — khatim ar-rusul — [título do profeta Maomé enquanto último dos legisladores inspirados por Deus], e ao Selo dos santos — khatim al-awliya — [O papel de “Selo dos profetas” corresponde a uma função cíclica aparente, enquanto que a função de “Selo dos santos” é necessariamente intemporal e oculta; representa o protótipo da espiritualidade, independentemente de toda “missão” — risalah]; nenhum dos profetas e dos enviados [todo “enviado” — rasul — é profeta — nabi — por seu grau de inspiração; no entanto, só denominado “enviado” o profeta que promulga uma nova lei sagrada] somente a recolhe no tabernáculo — mishkat —1 do enviado que é seu selo. Por outro lado, nenhum dos santos não a recolhe a não ser no tabernáculo do santo que é seu selo; de sorte que os enviados também recolhem este conhecimento, na medida que a recolhem, no tabernáculo do Selo dos santos, pois a função do enviado de Deus e aquela de profeta — entendo a função profética enquanto comporta a promulgação de uma lei sagrada — cessam, enquanto que a santidade não cessa jamais; deste fato, os enviados só recebem este conhecimento, enquanto são também santos, do tabernáculo do Selo dos santos2. Desde o momento que assim é [para os enviados e para os profetas], como seria de outro modo para os outros santos? E isto é verdadeiro, embora o Selo dos santos se conforme a lei sagrada dada pelo Selo dos profetas; isto não implica em qualquer prejuízo a seu nível espiritual e não retira nada ao que acabamos de dizer; pois é possível que seja inferior a um certo ponto de vista, mesmo sendo superior a outro ponto de vista. O que entendemos por isto se encontra confirmado, na história de nossa religião, pela preferência [devida a uma revelação anterior] do juízo de Omar [sobre aquele do Profeta] no que concerne o tratamento dos prisioneiros quando da batalha de Badr, [o profeta querendo aceitar um resgate por eles, enquanto Omar aconselhava a libera-los ou a condena-los; do mesmo modo, ela se manifesta no episódio concernente a fertilização da palmeira de tâmaras [onde o conselho do Profeta, perdeu-se, o que lhe fez dizer: “Sois mais experts que eu nos affaires de seu mundo daqui de baixo”] Não é necessário que o perfeito ultrapasse os outros sobre todas as relações; mas os homens espirituais consideram apenas a superioridade sob a relação do conhecimento de Deus; quanto às existências efêmeras, seu espírito não se liga. — Realize portanto aquilo que acabamos de expor.

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  1. O simbolismo do tabernáculo — al-mishkat — ou do “Nicho de Luzes” se refere à passagem corânica seguinte: “Allah é a Luz dos céus e da terra; o símbolo de Sua Luz é como um tabernáculo (ou nicho), no qual se encontra uma lâmpada; a lâmpada está em um vidro; o vidro é como uma estrela brilhante. Ela está acessa [com o óleo] de uma oliveira bendita, que não é nem do Oriente e nem do Ocidente, e cujo óleo é quase luminoso, mesmo quando o fogo não a toca. Luz sobre luz. Allah conduz em direção de Sua Luz quem Ele quer; e Allah propõe aos homens parábolas; e Allah conhece toda coisa” (XXIV, 35). Em sufismo, o “Nicho de Luzes” se identifica ao foro interior do Homem Universal.  

  2. Em seu Futuhat al-Makkiyah, Ibn Arabi fala também do “Selo da santidade dos profetas e dos enviados” (IV, 57); entende por isto o Cristo quando de sua segunda vinda no fim dos tempos. Esta função, que pode parecer contraditória em si mesma, se explica da maneira seguinte: o “enviado” que “selará” o presente ciclo da humanidade e que salvará os eleitos fazendo-os passar para o ciclo futuro, não pode aportar nova lei sagrada, que não tenha sentido a não ser para uma coletividade que deva subsistir como tal, mas fará pelo contrário surgir de novo as verdades intrínsecas comuns a todas as formas tradicionais; se dirigirá, portanto, à humanidade inteira, o que só poderá fazer se situando de alguma maneira sobre o plano esotérico, que é aquele do santo contemplativo — al-wali; ele será, no entanto, profeta e enviado, de uma maneira implícita, por causa de sua função eminentemente cíclica, mas ele será explicitamente um “santo”, enquanto que o inverso tem lugar para todos os profetas precedentes. Notemos aqui que o Cristo, do qual o Corão fala como de um “enviado” — rasul —, manifesta desde sua primeira vinda uma tal “extroversão” da “santidade” — wilaya — e do esoterismo, o que faz dele por conseguinte aos olhos dos sufis o modelo do santo por excelência; e assim é necessário que seja de modo que fora de toda questão de ordem cosmológica, uma verdadeira identidade espiritual entre o Cristo precedendo Maomé e o Cristo “re-descendido” no final dos tempos. — Na mesma passagem do Futuhat Ibn Arabi fala de “Selo da santidade maometana”, que ele distingue de “Selo da santidade dos profetas e enviados”; este é o primeiro que é também o “selo da santidade universal”.  

Sabedoria dos Profetas