Mas retornemos agora à Sabedoria (divina em Adão). Podemos dizer a seu respeito que as Ideias universais (al-umur al-kulliyah)1, que não têm evidentemente existência individual como tal, não são menos presentes, inteligivelmente e distintamente, no mental; eles permanecem sempre interiores em relação à existência individual, mas determinam tudo o que pertence a esta. Além do mais, aquilo que existe individualmente é apenas (a expressão de) estas Ideias universais, sem a qual estas últimas cessam portanto de ser nelas mesmas puramente inteligíveis. Elas são portanto exteriores enquanto determinações implicadas na existência individual e, por outro lado, interiores enquanto realidades inteligíveis. Tudo que existe individualmente eleva-se destas Ideias, que permanecem no entanto inseparavelmente unidas ao intelecto e não saberiam manifestar-se individualmente de maneira a sair de sua existência puramente inteligível, quer se trate da manifestação individual no tempo ou fora do tempo2; pois a relação entre o ser individual e a Ideia universal é sempre a mesma, quer este ser esteja ou não submetido à condição temporal. Somente a Ideia universal assume por sua vez certas condições próprias às existências individuais, seguindo as realidades (haqaiq) que definem estas mesmas existências. Assim é, por exemplo, da relação que une o conhecimento e o conhecedor ou a vida e o vivente: o conhecimento e a vida são realidades inteligíveis, distintas uma da outra; ora, nós afirmamos de Deus que Ele é conhecedor e vivente, e nós afirmamos igualmente do Anjo que ele é conhecedor e vivente, e dizemos isto do mesmo modo do homem; em todos estes casos, a realidade inteligível do conhecimento ou aquela da vida permanece a mesma, e sua relação ao conhecedor ou ao vivente é cada vez idêntica; e, no entanto, diz-se do conhecimento divino que ele é eterno e do conhecimento do homem que ele é efêmero; existe portanto alguma coisa nesta realidade inteligível que é efêmera por sua dependência a respeito de uma condição (limitativa). Ora, considere esta dependência recíproca das realidades ideais e das realidades individuais3: do mesmo modo que o conhecimento determina aquele que dele participa, — pois o chamamos conhecedor, — do mesmo modo, aquilo que é qualificado pelo conhecimento determina por sua vez o conhecimento, de modo que ele é efêmero em conexão com o eterno; e cada um dos dois lados é, em relação ao outro, ao mesmo tempo determinante e determinado. É certo que estas Ideias universais, apesar de sua inteligibilidade, não têm, como tais, existência (própria), mas somente uma existência primordial; do mesmo modo, quando elas se aplicam aos indivíduos, elas nisto aceitam a condição (hukm) sem todavia nisto assumir a distinção nem a divisibilidade; elas são integralmente presentes em cada coisa qualificada por elas, como a humanidade (a qualidade de homem), por exemplo, está presente integralmente e cada ser particular desta espécie sem sofrer a distinção nem o número que afetam os indivíduos, e sem cessar de ser nelas mesmas uma realidade puramente intelectual.
Os “universais”, segundo a terminologia escolástica. ↩
Segundo a linguagem da qual se serve Ibn Arabi aqui, a ideia de “existência individual” (wujud ayni) pode ser simbolicamente transposta além da condição formal, que é o domínio da individuação propriamente dita. Assim por exemplo, um Anjo não é um “indivíduo”, porque não representa uma variante no interior de uma espécie; no entanto, o argumento enunciado acima se aplica igualmente aos Anjos. ↩
Al-mawjûdat al-‘ayniyah: as existências — ou realidades — individuais ou substanciais; ver a nota precedente. ↩