A processão das Sephiroth (Abellio)

(Abellio1965)

Tomamos emprestado as palavras de emanação e de formação à tradição hebraica, mas esta, sempre em uma acepção exotérica, e como se o céu, a terra e o inferno fossem mundos distintos, fala a este respeito de «mundos» e não somente de modos. Esta distinção linear não é ela mesma senão o efeito de uma mundanização: toda religião acaba por degradar sua metafísica em moral a fim de transformar sua ciência secreta em meio de governo, e ela substitui às correlações, relações de linearidade. Antes de ir mais adiante, nos é necessário a princípio assinalar que não é somente de dois mundos que fala a tradição cabalística, mas de quatro, que são na ordem aqueles da emanação, da criação, da formação e da ação. Aqui também, se trata bem entendido de modos do mundo e não de mundos distintos: esta «hierarquia» é aquela da construção dita sefirótica e, dada sua importância, convém aí tomar tempo.

A construção sefirótica, ou Árvore das Sephiroth, que é provavelmente, e ainda mais que o Yin-Yang chines ou o selo de Salomão, o ideograma teogônico o mais «oculto» da gnose, se apresenta na Cabala como a superposição de três triângulos sobrepondo um ponto isolado, cada uma das arestas destes triângulos constituindo, assim como este último ponto, uma «sephirah». Há portanto ao todo dez sephiroth, a palavra «sephiroth» sendo o plural de «sephirah». Se compreenderá logo que esta construção, que se propõe representar a processão teogônica, não é em realidade senão o véu atrás do qual se oculta a constituição estrutural desta mesma teogênese, e que, nesta última, não é finalmente dez sephiroth que se deve contar, mas treze, quer dizer a estrutura do duplo senário-septenário simbolizando os pequenos mistérios e velando por sua vez aquela dos grandes mistérios.

Como quer que seja, o triângulo superior é dito representar o mundo da emanação, o triângulo intermediário, aquele da criação, o triângulo de baixo, aquele da formação, e o ponto isolado sob o conjunto, ele somente, o mundo da ação. A notar que a primeira sephirah é designada sob o nome de Kether, o que significa Coroa e evoca consequentemente a ideia de topo. Em realidade, acima de Kether, figura o Ain-Soph, ou o Indeterminado. Mas o Ain-Soph não é uma sephirah. Se mantém acima da Unidade representando o par Pai-Mãe como aí se mantém o símbolo do Indeterminado, que ∞/∞, ao qual não se poderia designar nenhum nível. A notar reciprocamente que não é a última sephirah que constitui a base do conjunto, é esta que se chama Yesod, o que significa Base, e não tardaremos a compreender porque.

Se se dispoe assim o Ain-Soph acima do Kether, a última sephirah, aquela do extremo inferior, denominada Malkouth, se torna a homóloga inversa do Ain-Soph em relação à construção triangulada propriamente dita.

É necessário explicitar o sentido desta superposição simbólica.

Já dissemos que o modo da emanação é aquele da visão transcendental, e que o «céu» e o «inferno» não resultam de outra coisa senão da projeção desta visão, onde o tempo é abolido, em uma visão imaginária e ingênua. O céu e o inferno são assim modos abstratos do mundo, a visão ingênua do que se passa, aos olhos da visão natural, para um extra-mundo. Definiremos como segue o «mundo» da emanação: um modo de processão que a cada estase contém o todo e cujo todo pode sair por ek-stase sem o empobrecer, e, reciprocamente, um modo de processão do qual cada ek-stase é exterior ao todo e pode reentrar nele enquanto estase, sem o enriquecer. É portanto o modo da visão absoluta. É a melhor ilustração do princípio da indivisibilidade da substância. Assim como o sabor da manteiga é inteiramente contido em cada parcela do tablete de manteiga e, reciprocamente, que cada parcela tem o gosto de todas as outras sem delas nada tomar nem nada lhes dar, assim como o mundo da emanação nos aparece como gerando uma participação simultânea de todos em tudo, uma repetição do todo em uma infinidade de parcelas que são cada uma o todo. A este conjunto de propriedades, reconhece-se que não pode ser senão a ideia do senário imanente a toda existência especificada. O modo da emanação sai da unidade divina e reentra nela como o senário sai de seu centro transcendental e aí retorna; é aquele da organização senária enquanto invariante absoluto de toda manifestação. Pode-se dizer que é o «mundo» das ideias-números. Isto será precisado em breve. Mas decorre que este «mundo» não é visto como empíreo separado senão na visão ingênua. As ideias-números são inseparáveis da totalidade de sua processão, quer dizer da dialética terrestre que as inclui no mundo único da manifestação.

Da mesma forma, assim como a visão chama o ato, o modo da emanação chama um correlato formativo. O modo da formação é aquele da temporalidade. A cada etapa da processão crística, a terra enquanto fruto se encontra então a integrar uma visão do céu enquanto germe de uma terra ideal mais avançada e uma visão do inferno enquanto casca [ou dejeto] de uma terra já superada. A tradição pode dizer que há sete terras e sete céus, posto que há junto sete estase ou ek-stases, a sétima confundindo a princípio o último céu e a última terra na unidade sem clivagem da deidade. Bem entendido, esta introdução da cronologia no céu e no inferno resulta de uma visão terrestre, ela não é visão absoluta. É que com efeito não se pode falar do céu ou do inferno senão por conta de uma visão terrestre. O céu nem inferno não se conhecem enquanto tais. Não haveria céu ou inferno se não houvesse terra para os imaginar, e o céu e o inferno não são senão suportes dialéticos da frutificação da terra como mundo completo. Visto da terra, o jogo das ideias no céu e das formas no inferno, se se quer aí inserir a cronologia, é como um jogo imaginário, um espetáculo teatral presentificando o drama que será preciso reviver sobre a terra em presença real e não em presentificação.

Estas definições postas, que significam os «mundos» da criação e da ação?

Se a emanação se relaciona ao modo da sincronia e a formação ao modo da diacronia, a criação não senão relacionar à gênese que serve de «passagem» entre estes dois modos no mundo, a ação se relacionando ao apocalipse infernal que serve de «passagem» entre o mundo único e a deidade, fora do mundo. A criação marca a transcendência «intra-mundana»; a ação, a transcendência «extra-mundana» integrando a precedente e a transformando em imanência da deidade no mundo. A criação é a estase de partida fora da deidade; a ação, a estase de retorno. A primeira toma o aspecto de um exílio do Filho «fora» do céu, a segunda de um retorno do Filho «através» dos infernos. A criação é o «nível» ou o «momento» da separação e da encarnação; a ação, o «momento» ou o «nível» da comunhão e da transfiguração. Como a ação se situa sob a terra, em «baixo» da escada dos mundos, a tradição é coerente quando fala da descida aos infernos do Filho. O Apocalipse é o casamento do Filho com a nova Jerusalém, outro símbolo da Filha. A emanação e a formação são portanto ao mesmo tempo envelopadas e separadas pelas duas estases da criação e da ação, elas dela são as ek-stases e reciprocamente. Não encontramos aqui outra coisa senão modelo de uma correlação senária geral, e a relação que existe entre a deidade, a emanação [céu] e a formação [terra], por um lado, a deidade, a criação [gênese] e a ação [apocalipse ou inferno], por outro, é aquele que confronta as três ek-stases de todo ato existencial em modo esférico aberto, o mistério da deidade residente justamente no fato que ela é ao mesmo tempo dualidade de estase e de ek-stase na unidade de um só olhar.

 

 

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