Estabelecimento de uma estrutura absoluta da percepção (Abellio)

(Abellio1965)

Para tentar então compreender como se impõe a presença positiva da intuição (ou, o que dá no mesmo, da percepção) e determinar quais relações dinâmicas se estabelecem por ela entre “sujeito” e “objeto”, busquei colocar essa percepção em “estrutura”, mas não apenas em estrutura bipolar sujeito-objeto, o que não dá mais do que essa dualidade aberta, pois esses dois conceitos, nessa bipolaridade simples, são essências últimas e irredutíveis. Como proceder? Recusando considerar esses conceitos como “isoláveis em si mesmos”. Era necessário que um e outro aparecessem como polos em seu campo universal respectivo. Ora, era claro, por exemplo, que um objeto “isolado” qualquer só pode aparecer se se destaca sobre o fundo indistinto do mundo. Há uma dualidade do lado do percebido, e o mundo inteiro constitui o segundo polo dessa dualidade. Mas o mesmo ocorre do lado do percebedor. O sujeito não pode ser reduzido a seu órgão dos sentidos: seu olho vê, mas é seu corpo inteiro que percebe, a percepção é globalista e integra a sensação “local”, a multiplicidade dos sentidos se dialetiza e se integra no Sentido. Em outras palavras, o órgão dos sentidos se destaca sobre o corpo inteiro como o objeto sobre o fundo do mundo. Finalmente, não se trata apenas de uma relação, mas de duas, ou seja, de uma proporção. Esse fato é capital, pois, ao examinar bem, não é a relação “isolada” que é o elemento básico do movimento dialético, mas a proporção. Não é por acaso que Platão fazia da “mediação”, ou seja, da proporção, a trama do Logos. Em nossas ciências humanas modernas, ainda se limita a tomar como elemento estrutural a dualidade bipolar chamada par de opostos, ou seja, uma relação. Só esse fato explica por que essas ciências não conseguem se desenvolver dialeticamente. Se suas “estruturas” entram em movimento, é à maneira de um par de forças mecânicas que não enfrentaria um par antagônico: essa rotação é vazia, não produz nenhum trabalho. O mesmo ocorre no que se chama de raciocínio “por analogia”, que os esotéricos querem opor ao raciocínio lógico-dedutivo: a analogia aproxima duas palavras, mas nunca produz mais do que imagens poéticas mais ou menos brilhantes, porém descoordenadas, que não podem ser colocadas em discurso, um brilho de pontos de luz vibrando separadamente sobre a profundidade unida do mar.

Cheguei assim à primeira regra da estruturação: Em um campo dado, a primeira “fase” da estruturação consiste em reconhecer quatro polos distribuídos em dois pares antagônicos, que engajam o movimento dialético por duas rotações em sentidos inversos. Essa regra, todo o presente livro tentará mostrar sua universalidade. A segunda “fase”, aliás, é síncrona à primeira. De fato, as duas rotações em sentidos inversos exigem a presença de um eixo de rotação ele mesmo bipolar que marca a “evolução” ou melhor, a abertura do sistema nos dois sentidos opostos da diferenciação e da integração igualmente crescentes do campo. Nenhum campo podendo ser considerado como fechado, é necessário que a estrutura sirva de certa forma como dobradiça comum a todos os campos “sucessivos” cada vez mais extensos e mais integradores, antes de ser, no “fim” do processo, a estrutura única e unificadora do universo, ou seja, do campo de todos os campos. É, portanto, finalmente, um conjunto de seis polos dialeticamente ligados que constitui a estrutura absoluta imóvel e imutável cuja presença queremos reencontrar em todos os “níveis” e em todas as “ordens” da manifestação. Por isso a chamamos comumente de estrutura senária ou, mais simplesmente, o senário. Das duas últimas polaridades, veremos que uma “desce” e se enraíza na multiplicidade, a outra “sobe” em direção à unidade. Na linguagem dos teólogos, a primeira indica a encarnação, a segunda a assunção. Pareceu-nos conveniente empregar, a esse respeito, uma representação geométrica: a estrutura absoluta assume assim a forma de uma esfera cujas quatro primeiras polaridades, dispostas em cruz, ocupam o círculo equatorial, enquanto as duas últimas figuram o eixo vertical da rotação do conjunto. Sabe-se que os esotéricos usam e abusam dessas representações geométricas, em particular dos triângulos e das cruzes, que obviamente só valem por seu conteúdo simbólico e sobretudo pela colocação em movimento dialético de suas polaridades. Havia muita ingenuidade nesse espanto de Gide, que um dia se perguntava como se podia adorar um triângulo: é que ele não sabia ver nele a “santíssima trindade”, sendo outra questão, aliás, saber se os crentes a veem realmente eles mesmos. A noção de dialética é tão estranha aos esotéricos atuais que eles não indicam nenhum movimento entre os polos de seus esquemas e podem assim se entregar, em suas construções e designações, à maior fantasia. Suas figuras geralmente não são flechadas ou, se o são, é de maneira linear e sem real retroação, enquanto que no “limite”, ou seja, no universal, a estrutura deve ser flechada de todas as maneiras possíveis, pois, no absoluto, não se pode reservar a “originariedade” a tal polo em preferência a tal outro: eles são originários todos juntos e, ao mesmo tempo, nenhum o é, pois a estrutura está fora do tempo, pertence ao transcendental. Nessa representação, os dois hemisférios do “alto” e do “baixo” dão conta de noções que receberam, segundo os autores ou as doutrinas, designações diversas entre as quais a estrutura absoluta restabelece assim a coesão e a unidade. Onde os teólogos, como dissemos, falam de encarnação (hemisfério de baixo) e de assunção (hemisfério de cima), os ontologistas modernos falarão respectivamente de ser em-si e de ser causa-de-si, sendo o círculo equatorial então ocupado pelo ser para-si. A própria distância entre as polaridades no interior da esfera dá conta do Aberto de que fala Heidegger para caracterizar o ser e a distância que se estabelece entre o ser e o ente. Todas essas disparidades de vocabulário, que se devem à própria dispersão das “filosofias”, se encontram forçosamente em nosso texto, pois queremos mostrar que todas essas noções, aparentemente distantes umas das outras, são inscrevíveis em um movimento comum onde se encontram reduzidas. A estrutura absoluta, em última análise, é uma Ideia que dispensa palavras, é mesmo a ideia suprema. No mesmo espírito, fizemos frequentes apelos a exemplos tirados da tradição esotérica, que se encontram da mesma maneira explicitados. Não damos de forma alguma esses exemplos como provas de nossa tese, mas como ilustrações dela: é nossa tese que “demonstra”, quando possível, esses “dogmas” tradicionais, e não o contrário. Desejamos assim revelar o significado profundo de certos ensinamentos originais da tradição, como a crucificação e a elevação da cruz, e não nos apoiar nela. Em nossa descrição das gêneses, fizemos, por exemplo, um uso sistemático e abrupto, à primeira vista surpreendente, das noções de batismo e comunhão que pertencem à tradição cristã e das quais acentuamos o sentido ontológico, que não aparece absolutamente no uso comum. Não cremos de forma alguma ser infiéis a esse mesmo uso, que nada ganha em ser banalizado, e pedimos que nos poupem de reprovações legítimas mas fáceis. Há, segundo nós, uma simbólica dos sacramentos que vai muito longe e muito alto, se admitirmos com ela que marca as etapas de toda gênese e a decomposição de todo “instante”. O mesmo para as figuras de Jesus e do Cristo, ou ainda de Ha-Adam e de Adam, que vão, como se sabe, muito além da atribuição histórica que se lhes faz. Se nos objetam que não ganhamos nada em misturar assim terminologias e estilos, responderemos que há talvez hoje, tanto na filosofia como na religião, vocabulários que iludem e que permaneceram por tempo demais autônomos. Na filosofia, muitos conceitos se fecharam sobre si mesmos para o único prazer dos pedantes e dos escolásticos; na religião, muitos símbolos “isolados” servem de suporte à superstição ou à apostasia, e seria tempo de devolver seu sentido pleno à noção de ídolo. Além disso, não se vê como a regeneração do que se chama sentido “metafísico” poderia ser separada do que se chama, por outro lado, sem precisar mais, a regeneração do “sagrado”, quando ambas dependem da colocação em estrutura prévia e simultânea de noções tornadas igualmente banais e de sua reinserção comum em uma Presença universal. Isso nos leva, e é capital, a colocar enfim a estrutura absoluta na perspectiva da fenomenologia husserliana, que desemboca no Nós transcendental e mesmo no Si, e reencontra assim, por um retorno ao começo que é também o fim situado no infinito de que fala Husserl, o fundamento radical, ao mesmo tempo originário e retroativo, de todos os conhecimentos. Para proceder, em qualquer nível que seja, à estruturação, é preciso, como vimos, dar-se um campo e nele designar quatro polos efetivamente mobilizáveis em uma dialética. O que procede a essa doação e essa designação? Só se pode responder: o conhecimento “adquirido”, que sai assim de seu estado de “síntese passiva” por um ato aliás imediato de “síntese ativa”. É preciso, naturalmente, admitir que o conhecimento é dinamogênico, o que significa que no contato entre o homem e o mundo “exterior” ele é permanentemente intensificador de si: reintegra no Eu o mundo reduzido pela ciência e, ao mesmo tempo, abre no mundo reduzido pela ciência os novos campos desta. Mas como conceber o “começo” e o “fim” desse processo? Para iniciar o movimento, é preciso falar, no “início”, de conhecimento “inato”? Como, sobretudo, validar esse movimento, legitimá-lo aos olhos de nossa razão? O postulado da interdependência e da intersubjetividade universais nos permite apelar aqui a “tutores” desconhecidos ou a uma inteligência inconscientemente enterrada em nós e dirigindo nossos primeiros passos. Mas mesmo se a fenomenologia se recusa a recorrer a esse animismo ou vitalismo não redutíveis, não deixa de ser verdade que ela se encontra aqui na obrigação de se dar ao menos um fundamento ontológico. O complexo intencional do sujeito e do objeto no qual Husserl se detém não pode constituir a estrutura mesma da percepção a não ser que o mundo mesmo esteja de alguma maneira presente de antemão à consciência por seu ser. Depois de Kant, que falava a esse respeito de “imaginação transcendental”, Heidegger chama de “compreensão pré-ontológica” essa atividade subjacente e permanente que, por trás de todo objeto, vê um ente, e que já tira o objeto de suas determinações simplesmente ônticas. Consideraremos esse postulado como equivalente ao nosso, e mostraremos mesmo que a estrutura do ser e do ente não é outra senão a estrutura absoluta. Isso admitido, e o conhecimento assim fundado, começa a distribuição dos campos. As noções de campo e de polarização estão evidentemente associadas. Não se poderá mesmo considerar um campo como bem formado ou como pertinente em relação à intencionalidade que nos leva a ele a não ser que seja estruturável segundo as normas da estrutura absoluta.

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